Fiquei perplexo quando ouvi, de novo na televisão, desta vez um senhor doutor dizer que a liberdade estava acima da vida e, por isso, se devia respeitar a opção de quem decide terminar a própria vida, tida como peso ou valor secundário e insuportável.
Cá está, mais uma vez, o desvirtuar de uma grande aquisição que é a liberdade e o seu uso, indispensável para a construção equilibrada de cada um e para o contributo a dar à ordem pública e à convivência diária, a fim de que todos se sintam iguais, e ninguém, a pretexto de liberdade, esmague o outro por ser mais fraco. A liberdade terá sempre de ser usada ao serviço da vida e dos valores e exigências que esta comporta. Tem, por isso, para seu bem, condicionamentos inevitáveis. A liberdade absoluta, se por isso se entende fazer cada qual o que lhe apetece e quer e, quando não se consegue, sentir-se infeliz e injustamente coarctado, não existe, nem pode existir. Ao defender-se assim a liberdade, acaba, de vez, a possibilidade da convivência pacífica, libertadora e construtora de uma felicidade de ordem e de bem-estar. A utopia é um estímulo ao aperfeiçoamento, não um sonho condenado ao pesadelo.
A educação é fundamental para o correcto uso da liberdade, e não há educação sem os constrangimentos necessários que se assumem, livremente, como condição para adquirir o domínio próprio, ter uma hierarquia de valores, aceitar os outros, ser responsável pelos actos praticados, dar o seu contributo ao bem de todos, edificar a comunidade na sua dimensão humana e solidária.
Damos de caras, todos os dias, com situações dolorosas e irreparáveis, fruto do uso da liberdade, por parte de pessoas sem peso moral e sem hábitos de bem, referenciados a valores fundamentais e indiscutíveis. Os educadores que o querem ser, não à maneira antiga, mas também sem iludir os parâmetros de uma verdadeira educação para a vida, esbarram com disseminadas correntes de opinião que endeusam a liberdade, e às quais não faltam corifeus que parecem jogar, às claras, no “quanto pior, melhor”.
Não se pode impor nada, não se pode corrigir ninguém, não se pode contrariar porque é ofensivo e traumatizante, há que calar e limpar os velhos educadores, a família é coisa do passado, a escola, um mal menor só útil aos que dela vivem. Não falta comunicação social a apoiar a nova cartilha, embora os que a ensinam seja minoria, sempre aplaudida. Será isto o respeito democrático pelas minorias?
Para a gente nova, para os que não foram ajudados ou não se deixaram ajudar a construir por dentro, para os empurrados para a aventura da sua desagregação, é sempre simpático quem advoga a liberdade do “Faz o que te apetece. Não tens que dar contas a ninguém”. E assim, o respeito pela liberdade, que todos advogamos e desejamos, permite que alguns, livre e impunemente, intoxiquem o ar que respiramos e poluam o ambiente moral em que vivemos.
Não faltam educadores que, de verdade o são e o desejam ser, que jogam numa educação libertadora e humanizada, a sua vida diária, familiar, profissional e social. É preciso dar-lhes condições para agir e estimular a sua heróica resistência à onda, permissiva e destruidora, que cada dia têm de enfrentar.
Liberdade é, antes de mais, perante opções diversas, fazer o que se deve e gostar do que se faz. Só assim ela será um serviço à vida. Nos momentos mais dolorosos e difíceis, serão ainda, pessoas livres e voluntárias, as que estarão sempre presentes, como suporte sereno do amor que exorciza a solidão e o desânimo e alivia a dor.
Quem apregoa uma liberdade sem limites, não tem tempo para sujar as mãos, quando é preciso ajudar os feridos da vida, que dispensam discursos, mas não um amor solidário.