Nacional

Memória e identidade

Voz Portucalense
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Publicado nesta terça-feira em Itália o último livro do Papa Wojtyla, Memória e identidade. Contém a transcrição das conversações tidas no verão de 1993, em Castelgandolfo, com dois amigos polacos, professores de filosofia política em Cracóvia, padre Josef Tischne e Krzystof Michalski. A quatro anos da queda do Muro de Berlim e doze anos passados sobre o atentado da Praça de São Pedro, João Paulo II medita sobre estes factos, fazendo uma leitura sua, teologizante e de certo modo apocalítica, marcada pela profunda certeza de que é Deus que conduz a história da humanidade, intervindo na trama dos acontecimentos para corrigir e reorientar o sentido da marcha. Uma “leitura” já conhecida através de afirmações feitas no passado, nomeadamente em relação com Fátima e a terceira parte do segredo, a seu tempo divulgada, por sua vontade expressa, no ano do Grande Jubileu. Segundo antecipações divulgadas por jornais italianos, o atentado de 13 de Maio de 1981 aparece a João Paulo II como “uma das últimas convulsões da ideologia de violência do século XX, violência propagada pelo fascismo e pelo nazismo, violência propagada pelo comunismo”. O Papa confidencia neste livro como viveu os breves e dramáticos momentos em que a bala lhe atravessou o tórax: plenamente consciente do que estava a acontecer, entrando com esta consciência no Além, mas sem nunca perder a convicção e esperança de que sobreviveria, por graça de Deus. Teria sido este o verdadeiro “limiar da esperança” a que aludia o título de um livro anterior. Numa situação humanamente desesperada, no parecer dos médicos, Karol Wojtyla manteve a certeza de que Deus, que o escolhera (segundo lhe assegurara o primaz polaco, cardeal Wyszynski, no conclave de Outubro de 1978) “para introduzir a Igreja no terceiro milénio”, saberia como levar a cumprimento o Seu desígnio. Tudo isto se entrelaça, claramente, com Fátima e sua mensagem, e sobretudo com a terceira parte do “segredo”, que o próprio João Paulo II fez publicar no ano 2000, com um comentário, bem ponderado, do cardeal Ratzinger. Aguardava-se, pois, com natural interesse, a intervenção que o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé deveria fazer nesta terça-feira, na conferência de imprensa da apresentação da edição italiana de “Memória e Identidade” (tradução do original polaco). As reflexões do Papa dizem respeito a um conjunto de questões da máximo actualidade – democracia, liberdade, direitos humanos, totalitarismos – procurando remontar às causas dos principais acontecimentos, positivos e negativos, da história europeia ao longo do século XX. Democracia e santidade Questões que coincidem singularmente com aquelas a que D. António Ferreira Gomes dedicou boa parte da sua reflexão pessoal e do seu magistério episcopal, como o recordou, aqui em Roma, quarta-feira passada, o Doutor Manuel Rodrigues Linda, em conferência pronunciada no Instituto de Santo António dos Portugueses, tendo como tema: “Democracia e santidade no pensamento de D. António Ferreira Gomes”. Professor da Universidade Católica e Reitor do Seminário de Vila Real, o conferencista esboçou o contributo original que aquele Bispo do Porto deu no aprofundamento, clarificação e testemunho daqueles valores humanos e cristãos sem os quais não existe verdadeira democracia. Para o Professor Manuel Linda, D. António foi “uma das figuras mais marcantes, no campo da inteligência e da acção, do Portugal do século XX”, podento justamente ser incluído “na longa galeria dos grandes bispos que souberam conciliar o magistério das duas cátedras”: episcopal e teológica. “Figuras estas, do bispo-teólogo e do teólogo-bispo, que sempre foram tidas como mestres espirituais e referências públicas nas encruzilhadas dos tempos”.


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