“Foi muito lindo!” todo o processo da fundação da Diocese de Viana do Castelo, disse ao Diário do Minho o padre Manuel Correia Quintas que ao longo de duas dezenas de anos, com persistência e sofrimento, lutou para que hoje se possa estar a comemorar o 26.º aniversário da sua “erecção canónica” pelo Papa Paulo VI.
Volvido um quarto de século de existência, o actual Reitor do Santuário de Santa Luzia faz um balanço “positivo” e diz mesmo que Viana está “muito melhor, materialmente falando, do que muitas dioceses com história”. Quanto à “luta” empreendida, outrora com “entusiasmo de rapaz novo”, hoje confessa que “hesitaria e ponderaria mais”, porque estamos no tempo das “fusões e da construção de federações”.
O desmembramento desta parcela do Povo de Deus da Arquidiocese de Braga foi um processo cheio de escolhos e nada consensual. Com traições e com “gente que hoje ocupa lugares de grande responsabilidade na actual estrutura hierárquica que nunca assinou qualquer petição” em ordem a esta nova realidade - recordou aquele sacerdote.
Fazendo exclusivo uso da memória, o padre Manuel Correia Quintas traçou, em pinceladas largas, o quadro destes perto de 20 anos de conversas “secretas” com a Nunciatura e com Roma e apresentou curiosidades como esta:
D. Francisco Maria da Silva, que como Arcebispo foi o grande travão do processo, enquanto Bispo Auxiliar de Braga, em visita a Viana do Castelo, “deu calor à causa, afirmando que não se importaria de ser o seu primeiro Bispo”. Após a morte do Arcebispo D. António Bento Martins Júnior (Agosto de 1963) fez-se nova “investida” junto da Santa Sé, mas eis que surge a “total oposição” de D. Francisco Maria da Silva, que mais tarde promoveu outra consulta ao clero que trabalhava no território do distrito de Viana do Castelo.
Nenhuma das tendências obteve uma vitória expressiva. Contudo, acusa o padre Correia Quintas, o Arcebispo de Braga, ao enviar o resultado da consulta para Roma, deu grande relevo aos argumentos dos “partidários” da “não divisão”, apresentando apenas os nomes daqueles que terão dito “sim”.
Foi um revés no processo, mas o fervor não esmoreceu e por entre reuniões nocturnas, aqui e acolá para “não dar nas vistas”, novo plano foi delineado.
O passo seguinte foi envolver a massa crítica do concelho de Viana do Castelo no processo que marca o momento da entrada na lida do Vice-presidente da Autarquia, Dr. Paula Santos, que teve um papel preponderante na obtenção da “assinatura dos dez presidentes de Câmara do distrito”.
Refeito o texto da petição da criação da Diocese de Viana do Castelo, realizou-se uma «nova ronda pelo clero» para que assinasse o documento. «O padre Arieiro “venceu” quase todos os padres do “não”», confessou o padre Manuel Correia Quintas com um ar de quem ainda hoje não sabe como conseguiu.
Nesta altura entra também na “roda” o jornalista local Afonso do Paço, que «trouxe para a causa muitos dos seus conhecidos».
Há outras personagens e personalidades que se vão envolvendo no processo como Maria Olímpia Pinto da Rocha, já falecida, que em determinada altura terá feito uma “caravela” que o Cardeal Costa Nunes entregou a Paulo VI, que terá retorquido: «só a caravela já vale a Diocese».
Conta o padre Correia Quintas que a fim de não deixar cair no esquecimento a causa em Roma, de quando em vez eram enviadas uma “prendas”, uns lembretes e apelos, em nome do Povo de Deus de Viana do Castelo.
Particularmente trabalhosa foi uma noite em que o núcleo duro da causa preparou um documento para na manhã seguinte ser levado à Nunciatura da Santa Sé. Ter-lhes-á chegado aos ouvidos que o Arcebispo de Braga se preparava para colocar a viver em Darque, na actual Casa Episcopal, D. Manuel Ferreira Cabral. Outro revés, prontamente travado…
A condução do processo foi sempre no fio da navalha e digna de um filme de suspense e espionagem, uma vez que todas as cautelas eram poucas depois de alguém ter denunciado o que se ia fazendo por Viana.
Numa ida à Nunciatura, para despistar, um foi de avião, outro de carro e outro de comboio. Uma vez em Lisboa, apresentaram juntos mais documentos. Por diversas vezes, «fui apertado e me vi à nora» — reconhece o padre Quintas —, como daquela vez que no jornal paroquial escreveu esta frase de tom provocador: «que os pais na fé digam alguma coisa aos filhos da esperança para todos vivermos em caridade fraterna e dialogante».
Só em meados dos anos 70, primeiro com a mudança do Núncio da Santa Sé em Lisboa e depois com a morte do Arcebispo D. Francisco Maria da Silva, o Vaticano entendeu estarem reunidas as condições para a criação da nova Diocese, que viria a ser concretizada em 3 de Novembro de 1977 através da Bula “Ad aptiorem populi Dei”. Já lá vão 26 anos.