Nesta época natalícia que vivemos, a decoração da árvore de Natal, as ruas iluminadas, os presentes, as requintadas refeições… são expressões de festa que não faziam qualquer sentido, se não houvesse um fundo musical. Ora mais comercial, ora mais clássico, é assim que despertamos e vivemos com mais júbilo o Dezembro do nascimento de Jesus Cristo.
O jornal “O Mensageiro” foi falar com João Santos, leiriense que é um valor da música sacra em Portugal. Embora seja licenciado em Música Sacra pela Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, os seus destinos profissionais no mundo da música devem-se ao início dos seus estudos no Seminário Diocesano de Leiria, em 1996.
João Santos confessa que, a um dado momento, começou a ficar “dividido nas opções”. A dúvida de seguir o sacerdócio ou uma carreira musical começou a ser uma presença constante nos seus dias. João Santos assume mesmo que, “se não viesse para o Seminário de Leiria, não estaria hoje ligado à música”.
Este facto é decisivo para o seu futuro, até porque, antes de entrar no Seminário, nunca tinha sentido a inclinação para a expressão musical. Lembra a guitarra que o pai lhe ofereceu, quando tinha 6 anos, e de um tentativa de formação musical no campo privado, mas sem sucesso.
Quando entrou no Seminário, iniciou aulas de piano. As coisas começaram a desbloquear-se no seu interior e “a música começou a ter um lugar mais destacado do que a própria vida académica”. As disciplinas, as aulas começaram a ser substituídas pela sua paixão musical, “até chegar a altura em que senti a vocação de me profissionalizar em música sacra”, recorda. Daí, a decisão de abandonar a formação para o sacerdócio e dar novos rumos à sua vida.
A especialização em música sacra foi o primeiro alicerce. A licenciatura na Universidade Católica Portuguesa foi a concretização de um sonho, de um caminho eleito por João Santos. Este cimentar de aprendizagens foi “a grande concretização e a materialização efectiva de todas as bases musicais que tinha adquirido anteriormente”. O aprofundar técnico da música e o conjunto de outras disciplinas, no âmbito estético e da psicologia, significou para ele “um simbolismo e um aperfeiçoamento de todas as técnicas musicais”. Daí o seu constante evoluir na criação, na produção musical.
Desafio da composição
Em 2004, o Ano Agostiniano, promovido pela Diocese de Leiria-Fátima, lançou-lhe um desafio arrojado: criar uma obra original para a efeméride. O padre Armindo Janeiro, que lhe solicitou esta peça, pediu-lhe que “marcasse pela diferença”. E assim aconteceu.
Respondendo a este convite, João Santos criou a Summa Augustiniana, obra que serviu igualmente para enriquecer o seu currículo escolar. Ou seja, realizou uma obra para a Diocese e também para a disciplina de composição, já que era um dos requisitos dos seus estudos. E para “marcar pela diferença”, fez uma obra marcada pela inspiração em Arvo Pärt, um compositor estoniano que é considerado um valor musical inquestionável e cuja “linguagem a cidade de Leiria não conhecia”, refere João Santos, adiantando que “existe uma carência enorme de linguagens modernas na música”.
Foi esta constatação que o levou a ousar criar uma peça com este cariz. Os comentários que ouviu, nos finais das audições da Summa Augustiniana foram reveladores do acertado da sua decisão. Esta obra de música sacra ficou, de facto, como um “hino” da diocese de Leiria-Fátima. O ponto-chave da sua composição é um resumo (summa) das partes principais de livro “Confissões”, de Santo Agostinho, “uma obra que tem um princípio, meio e fim: reconhecimento de culpa, conversão e a meditação. Estas três etapas são a essência, o percurso lógico da Summa Augustiniana”.
A partir daí, ganhou nova confiança no seu trabalho. Para compor, João Santos requer uma inspiração perfeita. “Embora tenha muito trabalho como professor musical, nos momentos de composição é essencial o silêncio e a noite; nesse período existe outra profundidade para que a obra nasça com mais sentimento, com um resultado final mais consistente”. Neste processo, o trilho das suas composições passa, primeiro, pelas “variadíssimas experiências no teclado” e só depois de várias conjugações é que se “passam as pautas para o papel”.
A música sacra hoje
Falando, concretamente, da música litúrgica na Igreja, João Santos considera que “já se esteve mais longe de uma viragem, para qual só falta a concretização das vontades que começam a manifestar-se”. Acredita, por isso, que uma mudança deverá acontecer nos próximos tempos, apesar de reconhecer que “é complicado definir as hierarquias da Igreja e, por isso, ser difícil tomarem-se as decisões” para as reformulações necessárias. “O sistema religioso tem de estar desperto para estas mudanças, pois são os Bispos e os Cardeais que dão a última e decisiva palavra para as mudanças necessárias no seio da Igreja”, defende.
Quanto à escassez de produção de música sacra, João Santos considera que “já estivemos pior”.
Remonta à época do Renascimento, do Barroco e de Carlos Seixas a produção significativa deste género musical em Portugal. “A linguagem renascentista e pré-barroca marcaram os momentos áureos da música sacra no nosso país”, afirma. A partir daí, tem havido sempre produção de músi-ca clássica, mas “é só no final do século XX e inícios do século XXI que se está a despontar novamente para estas composições”.
Música natalícia
João Santos reconhece que “a quadra natalícia ganha mais vida e sentido com os sons”, embora considere que “para a maioria das pessoas tudo se resume aos pro-dutos musicais comerciais”. Mas também no âmbito da música reli-giosa os compositores manifestam sempre uma actividade especial, já que “a liturgia é um exemplo vivo, com um ambiente especial, nas obras musicais.
João Santos já fez também uma peça natalícia, “com envolvências e tipo de escrita de ambiência completamente diferente”. O compositor acha que “esta época do ano é propícia a que as criações nasçam com outro espírito e mais sentimento, aliado à vocação cultural e a outras particularidades de cada compositor, já que cada pessoa vê o Natal de forma diferente”.
As inspirações pessoais e o envolvimento com o mundo religioso são base essencial para a composição da música sacra. João Santos lembra que “a ligação a Deus e à Igreja é uma base importantíssima para a composição musical litúrgica”, considerando “a fé e a vida religiosa como condições indispensáveis para que uma obra de música sacra se enquadre nos momentos religiosos”.
Joaquim Santos