Novos paradigmas precisam-se Manuela Silva 14 de Dezembro de 2004, às 12:22 ... Manuela Silva analisa o momento polÃtico presente É já um bom sinal que, dos mais variados quadrantes polÃticos, institucionais e de comunicação social, se levantem vozes chamando a atenção para os múltiplos impasses com que está, presentemente, confrontada a sociedade portuguesa. Destaca-se que a economia vai mal. Não só não consegue vencer atrasos estruturais, que vêm de longe, como, inclusive, nos últimos anos, vem desacele-rando no seu trilho de crescimento em sectores básicos da produção nacional, nÃvel de produtividade, ou no valor das exportações. Advertem relatórios oficiais recentes que se tem agravado a balança comercial e o grau de dependência do estrangeiro e cresce o endividamento externo. Faltam investimentos em manutenção e criação de infra-estruturas, bem como em sectores-chave para o progresso social, como sejam a educação e a formação profissional, a saúde, a segurança, a habitação social, o ordenamento e a requalificação urbana. Acresce que as contas públicas estão perigosamente desequilibradas e não se apresentam com a transparência que seria exigida. Os Ãndices de desemprego sobem. À frieza asséptica das análises dos comentaristas, corresponde um real sentimento de mal-estar, por parte de largos sectores da população, sentimento este objectivamente alicerçado no seu dia-a-dia. Este, para muitos, é marcado pelo desemprego indesejado, a precariedade de um emprego a custo conseguido, as baixas remunerações do trabalho e das pensões e, para a grande maioria, é um quotidiano sujeito a uma redução raste-jante do respectivo poder de compra, deficiente qualidade do funcionamento dos serviços de saúde e de educação, dificuldades em suportar encargos com a habitação, má qualidade dos transportes públicos, insegurança, desconfiança larvar em relação ao funcionamento de instituições públicas básicas, como sejam as da Justiça ou da Administração Pública. No plano dos valores, a situação é, igualmente, preocupante: multiplicam-se os indÃcios de corrupção nos negócios e no desporto; a importância atribuÃda ao dinheiro sobrepõe-se ao valor da qualidade da relação humana e à solidariedade, o bem comum parece ter emigrado do nosso vocabulário corrente... Entretanto, está desencadeada uma crise polÃtica e criada uma oportunidade de nos pronunciarmos sobre aquilo que desejamos como modelo de sociedade e caminho de construção do nosso futuro colectivo. São, a meu ver, necessários novos paradigmas de economia e organização social que tracem caminhos para erradicar a pobreza e prevenir a exclusão social e façam deste objectivo uma prioridade que atravesse todas as polÃticas públicas e, igualmente, mobilize a sociedade civil, incentivando formas criativas de ir ao encontro dos empobrecidos na diversidade das situações em que se encontram e na complexidade das teias com que a sociedade os amarra à pobreza e exclusão, negando-lhes o direito humano de não serem pobres nem excluÃdos. A uma economia globalizada, e sem descurar o seu melhor enquadramento possÃvel, há que contrapor empresas de economia social e valorizar e potencializar iniciativas locais de desenvolvimento que dirijam a sua actividade para formas eficientes de vir ao encontro das necessidades mais básicas da população, incluindo o emprego. A uma propensão excessivamente consumista e predadora de recursos, importa fazer frente, através de um acréscimo de responsabilização das pessoas por aquilo que consomem e de um maior apreço pela simplicidade, sobriedade e qualidade de vida e bem assim não descurar o estabelecimento de regras de conduta que disciplinem a agressividade da publicidade e os incitamentos ao endivida-mento excessivo. À falsa verdade de “crescer primeiro para repartir depoisâ€, há que responder com um modelo de desenvolvimento da nossa economia que combine crescimento económico com uma repartição equitativa dos custos e dos proveitos e ponha travão à excessiva concentração da riqueza e à crescente desigualdade na repartição do rendimento, tanto a nÃvel pessoal, como regional e intergeracional. Para a indispensável mudança de paradigma, há que assegurar uma representação acrescida das mulheres na vida polÃtica. É confrangedor que, no século XXI, e decorridos 30 anos sobre a Revolução de Abril, as mulheres continuem, significativamente, ausentes dos órgãos de soberania e, em geral, das estruturas de poder das empresas, das autarquias e do estado. Exige-se uma mudança de mentalidade, mas também leis e práticas, que contribuam para uma maior equidade na conciliação entre a vida familiar, a vida profissional e a participação polÃtica, no respeito pela paridade e igualdade de género. Estas são algumas das questões sobre as quais cidadãs e cidadãos devem reflectir, optar e procurar fazer ouvir a sua voz. As comunidades cristãs não podem ausentar-se destes debates, antes devem promovê-los, tendo presente a mensagem evangélica e os princÃpios da doutrina social da Igreja. 10 dezembro 2004 Manuela Silva Vice-Presidente Comissão Nacional Justiça e Paz Igreja/PolÃtica Share on Facebook Share on Twitter Share on Google+ ...