Nacional

O Bispo é aquele que tudo integra e faz convergir para a unidade

Voz Portucalense
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Homilia da Ordenação Episcopal de D. Carlos Azevedo

A Igreja da Trindade, no Porto, foi pequena para acolher as cerca de duas mil pessoas que participaram na celebração da ordenação episcopal de D. Carlos Azevedo, ocorrida, no sábado, 2 de Abril. Foram bispos ordenantes D. José da Cruz Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Armindo Lopes Coelho, Bispo do Porto, e D. João Miranda, Bispo Auxiliar do Porto. Concelebraram a quase totalidade do episcopado português, o Dom Abade de Singeverga e mais de uma centena de presbíteros e diáconos. Presentes estiveram, também, várias personalidades dos mundo da política, cultura, académico, e representantes das Igrejas Lusitana e Metodista, na pessoa dos seus bispos, respectivamente D. Fernando Soares e D. Sifredo Teixeira. No início da celebração eucarística, tomou a palavra o Bispo do Porto, D. Armindo Lopes Coelho, que manifestou a sua satisfação pela presença do Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. José Policarpo, e pelo relacionamento fraterno entre as Igrejas do Porto e de Lisboa. A homilia foi proferida pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa, que salientou as qualidades e a responsabilidade do ministério episcopal. D. José Policarpo afirmou que no «ministério episcopal exprime-se a plenitude do ministério da Igreja». Continuou, dizendo que ser bispo é exercer um «ministério ao serviço da verdade e da fé da Igreja». O presidente da celebração focou que o «primeiro efeito da ordenação episcopal é tornar-nos membros do colégio episcopal, sucessor do colégio apostólico», e que «o bispo precisa de escutar, compreender, perdoar, abrir cada um para que saia da sua perspectiva pessoal e deixe brilhar o mistério da Igreja. O bispo não pertence a grupos ou tendências, não alimenta dimensões ou disputas, não se identifica com carismas, com exclusão dos outros. Na imensa variedade dos carismas na Igreja de hoje, o bispo é aquele que tudo integra e faz convergir para a unidade». (Sérgio Carvalho) Em seguida, transcrevemos a alocução que o novo bispo proferiu, no final, da celebração. 1. Ser bispo torna-se mais fácil quando temos bem diante de nós o testemunho modelar do Bispo de Roma. Acontece esta ordenação em clima de acção de graças a Deus pelo dom de João Paulo II, até ao fim irradiante da proximidade cristã a todos os povos, culturas e situações como pastor peregrino. Como não ser envolvido pela vida comunicativa da força redentora de Cristo anunciada com determinação e coragem, como profeta do absoluto, vida transparente de uma fé vigorosa e de uma piedade profunda, como mestre espiritual. É em comunhão muito viva e gratidão imensa ao Santo Padre que aqui estamos. A presença de tantos bispos é mais uma expressão concreta da nossa fraternidade sacramental. Estou sensibilizado com o vosso acolhimento tão caloroso, as provas de estima e as várias”delicadezas de caridade”, segundo expressão do Papa. Assim, com esta colegialidade afectiva e efectiva sinto-me animado para o serviço novo em comunhão hierárquica. Que a unidade na verdade e na caridade seja a base de uma ousada, fecunda e criativa vida apostólica, de irradiante evangelização, alimentada na Eucaristia. 2. Escolhi o apelo de Cristo: “Quem Me serve, siga-Me!” (Jo 12, 26), como lema da missão presbiteral e renovo-a no início desta dimensão pastoral. Eis-me aqui para servir, seguindo o estilo do Belo Pastor, com desejo humilde e determinado a pautar os meus passos no seguimento de Cristo, princípio, centro e fim do pensar e do agir em Igreja. Quero começar por dizer-vos que nunca como hoje entrego a Deus, Pastor da humanidade, a minha vida toda. Ainda não consigo dar-lhe graças, com o coração todo, pela nova missão a que a Igreja me chama..., mas pela força do seu Espírito entrego-me totalmente ao seu querer para que me faça sinal da sua bondade misericordiosa, tudo para todos, sobretudo para os atingidos pela maldade do mundo, para que me faça defensor da verdade e da justiça perante as potências contrárias, para que me faça ponte e elo de comunhão que o Espírito quer construir dentro da Igreja católica, entre as Igrejas, entre os crentes, na sociedade. Desejo profundamente ser anunciador do Deus de Jesus, que tanto nos ama. Com crescente maturidade apostólica, deixe passar pelo coração e pela vida: um Deus pobre e humilde, que nos respeita na nossa liberdade com amor criador e materno; um Deus que nos espera sempre, nos aguarda com paciência e é garantia absoluta da esperança humana; um Deus que vive na plenitude da caridade e rompe as distâncias e as seguranças aparentes porque firme no amor verdadeiro; um Deus de uma alegria nova, que não olha do alto o sofrimento mas passa por ele, fundado na compaixão, porque vê os filhos passar mal a andar perdidos e oferece-lhes saídas de metanóia e libertação. Estou pronto para seguir Jesus, na coragem de homem livre para um amor maior, livre de si mesmo, livre dos bens, livre dos outros em obediência total ao Pai. Seguir Jesus que, servo incondicionado da missão, se aproximou de todos, não para os possuir ou instrumentalizar, mas para os servir tal como são, atento às situações de cada um, sem preconceitos ou temores, com a forte exigência e a ternura suave do amor. Servir por amor é autêntica fonte de sentido, motor da unidade e razão da força da vida pastoral na Igreja. A todos imploro: não permitais que o ser constituído para estar perante vós, me dispense de ser fiel discípulo de Cristo, em confiante abandono à acção interior do Espírito. Não deixeis que ao ser para vós, me desenraíze do estar convosco, de partilhar a dureza e o encanto da realidade e de ser aí sentinela vigilante. Proporcionai formas de corresponsabilidade, que sou chamado a animar e a guiar como manifestação de sermos um povo sacerdotal, sem nunca perder a circularidade da participação comunitária. 3. “A minha alma é pequena para gritar / o nome dos navios / o nome de todos os navios / o nome dos navios o nome / dos meus amigos” (Casa dos ceifeiros, 30), como escreveu o maior amigo de todos, o Daniel Faria que tanto sabia do céu que cedo para lá foi. Assim, também de alma pequena, não consigo gritar o nome dos amigos todos. Cada um conhece o lugar que tem na viagem da minha vida. Mas não posso deixar de enumerar e agradecer muito sumariamente, mas de modo fortemente fraternal, a alguns companheiros da travessia. Não esqueço os meus conterrâneos de Milheirós de Poiares, terra de D. Sebastião Soares de Resende, das Terras de Santa Maria da Feira e tenho no coração os meus, felizmente muitos, familiares, por tão íntima simpatia e por sempre entenderem a largueza da família eclesial que deles me priva. Recordo os Seminários do Porto, lugar da minha formação - desde o primeiro Reitor, Senhor D. João Miranda, ao último, Senhor D. Armindo - por constituírem o espaço essencial onde, depois, como padre espiritual percebi por dentro as inquietações e expectativas da vida dos padres. Ao Senhor D. Armindo estou grato pelas múltiplas provas de confiança e amizade que desde o Seminário me soube dar até ao gesto de conceder a presidência desta ordenação ao Bispo com o qual imediatamente irei trabalhar. Atravessa-me a memória a paróquia da Senhora da Conceição, onde vivi a prática da vida pastoral, pela mestria com que receberam o aprendiz de pároco. Tenho presente a Universidade Católica Portuguesa: a equipa da Reitoria e o querido Centro de Estudos de História Religiosa, pela leal amizade das horas todas. Garanto-lhes o empenho por uma ligação cada vez mais forte entre o seu projecto e as prioridades da Igreja e da sociedade portuguesa. Permitam-me uma saudação muito fraterna aos jovens: do Movimento Oásis que acompanhei nestes trinta e tal anos, da Universidade, dos animadores de jovens do Patriarcado de Lisboa e a todos os que a graça da vida permitiu encontrar. Criai, meus caros, disponibilidade para serdes seguidores de Cristo na construção do mundo novo. Se algum de vós sente o apelo para ser operário-ministro da Igreja em construção, como animador de comunidades, não tema, entregue-se à missão mais inovadora e atraente, mais contagiante e libertadora, mais árdua e necessária: ser profeta de Deus, à maneira de Jesus. A todos os grupos desde o ilustre Cabido aos professores e alunos da Faculdade de Teologia, aos diáconos permanentes, às comunidades religiosas, ao Centro catecumenal, às Equipas de Nossa Senhora, às Auxiliares do Apostolado, ao Santuário de Fátima, aos envolvidos em iniciativas culturais, enfim a todos aqueles e aquelas com quem partilhei o exercício de ser padre e me demonstraram os caminhos exigentes do Evangelho pelas suas interpelações e deram consistência à graça de vivermos em Igreja, bem hajam. Aos que não dei testemunho de vida segundo dos critérios do Evangelho e cujas arestas dos meus limites criaram obstáculo à circulação do bem, o meu pedido de perdão. Só lhes peço e garanto a certeza da comunhão orante. Ao presbitério do Porto, que deixo agora, vai o reconhecimento pela profunda e sincera relação fraterna que entre nós se criou ao longo destes 28 anos. Lisboa não me levará a mal que ainda tenha saudades do Porto. Há nesta cidade um pedaço de mim e em mim uma marca deste estilo de ser gente. Vou partilhá-lo na simplicidade e acolher as riquezas da dinâmica e sólida experiência da Igreja que está em Lisboa, em unidade fiel à orientação do seu Bispo. Senhor Cardeal Patriarca e seus mais próximos colaboradores: bispos, ilustríssimo Cabido, padres, diáconos, religiosos e religiosas, leigos empenhados em movimentos apostólicos, nas comunidades cristãs e na transformação do mundo, jovens e crianças, homens e mulheres que manifestam inquietação espiritual: expresso o desejo de vos conhecer, a disponibilidade para vos servir com todo o meu ser, o apreço pelo trabalho de evangelização em activo desenvolvimento, a alegria de aprender convosco a difícil arte de ser pastor decidido e sereno, neste novo milénio. Resta a gratidão a todos os que contribuíram para a beleza da festa: as mãos da escultora Irene Vilar que desenharam as insígnias episcopais com especial carinho e os que deram os seus bens para a sua execução, à Celestial Ordem Terceira da Santíssima Trindade, seu provedor e mesários, seu Reitor, P. Gonçalves Moreira, e funcionários pela cedência e arranjo do espaço que nos acolhe; à organização do programa festivo; à direcção da assembleia, ao serviço dos coros de Milheirós de Poiares e Senhora da Conceição e à participação dos músicos, à orientação dos ritos da celebração e equipas de acólitos e de acolhimento. O Espírito de Cristo Ressuscitado vos encha a todos de paz. À comunicação social, como lugar de amplificação do testemunho da fé e como confronto com as linguagens e expressões do nosso tempo, agradeço a presença e louvo o respeito pela verdade e a defesa de valores de um humanismo integral. 4. Começa agora um itinerário, marcado pela Páscoa. Assim descreveu o Daniel os quatro traços da cruz: “A primeira linha abre o silêncio como os braços de Cristo na cruz. A segunda linha abraça-te até que a voz que te fala respire no interior da tua escuta. A terceira linha é a sombra do cajado que conduz, o fio de água para que nunca esqueças a única fonte. A quarta linha é o próprio rastro Daquele que se apaga entre os quatro pontos cardeais da luz”. Sei e sinto que aos pés desta cruz está Maria, a Mãe de Jesus que aprendi a invocar como Senhora do Carmo, Senhora da Conceição, Senhora do Sim, Sede de Sabedoria, os muitos nomes lindos da sua companhia à nossa vida. Muito amados irmãos e irmãs aqui convocados, sóis testemunhas desta hora. Seguir Cristo no serviço episcopal é tarefa pesada que todos vos comprometeis a tornar mais leve, sem desvios, mas em comunhão de santos. A alegria e a fortaleza interior atravessem as provas, na paciência resistente para coesos ultrapassarmos as coisas adiadas, não temermos as vozes plurais, bebermos da única fonte, escutarmos a voz interior, testemunharmos a esperança, a fecunda esperança, a poderosa esperança que Cristo ressuscitado nos abriu. Carlos Azevedo Bispo auxiliar de Lisboa


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