Acaba de ser lançado no mercado um pequeno livro de Arnaldo de Pinho dedicado à vida e obra do saudoso Bispo do Porto que foi D. António Ferreira Gomes. Não podia vir em melhor altura este livro, uma vez que, por estes dias, se comemoram quinze anos da morte de D. António e todas as ocasiões para lembrar essa figura e o modelo de homem de Igreja que foi nunca são de mais.
A obra consta de duas partes. Uma em que se expõem as raízes e o percurso da vida episcopal daquele Bispo e outra sobre os fundamentos doutrinais que estruturam esse percurso.
Na primeira, tocam-se os momentos mais importantes da biografia episcopal: a génese de uma preocupação pastoral desde os anos de Portalegre (1948-52) até à primeira fase do Porto (1952-59). É dado relevo especial ao caso da pastoral colectiva que não foi possível publicar nos anos cinquenta e que levou D. António a empreender, dolorosamente só, um caminho de afirmação da doutrina social da Igreja no contexto perverso do corporativismo do Estado Novo. Seguem-se as vicissitudes do exílio com as conhecidas estratégias miseráveis de alguns homens de Igreja, mas em que se registam também, pela sua coerência, as excepções da maioria do clero do Porto, do Papa Montini e do Cardeal Tardini. Por fim, alude-se aos anos do regresso do exílio, com o regime em deterioração acentuada e onde o Bispo do Porto brilha pela sua doutrinação sobre a guerra colonial, entre outros temas. Esta presença profética mudou de figura no pós-25 de Abril, mas manteve-se firme e, então, enormemente respeitada como uma proposta de reconciliação dos portugueses e como reflexão mais serena sobre o objectivo de sempre de mais e melhor democracia.
A segunda parte do livrinho resume os fundamentos doutrinais do pensamento e acção. Como bom conhecedor do assunto, Arnaldo Pinho põe em evidência a ideia de que o motivo principal que norteou o Bispo do Porto foi uma preocupação pastoral. “O difícil é ser bispo”, lembrava D. António a cada passo. Não é o gosto pessoal nem a paixão política que justificam a biografia episcopal bem conhecida; é o dever do pastoreio. Não era mesmo um impulso de oposição ao Estado Novo, legítimo em si, que guiava D. António; era a afirmação da doutrina social da Igreja, num esforço de coincidência com o pensamento papal, desde Pio XII e, posteriormente, do espírito do Concílio Vaticano II. Neste sentido vai toda a doutrinação sobre a relação da Igreja com a comunidade política, sobre o valor teológico e o fundamento dos direitos humanos, sobre o serviço da Igreja à sociedade. O pensamento de D. António é estruturado pela tentativa de apreender o modo como o sobrenatural se relaciona com a criação, respeitando a autonomia do mundo, mas lembrando-lhe o seu destino a conhecer uma superação pelo encontro com graça recriadora de todas as realidades. Este é o tema de um excelente capítulo sobre “Pessoa, graça e cultura” (p. 49-56). Segundo o Autor, este não é apenas o tema do pensamento mas também da actuação pastoral do Bispo do Porto. O que constitui um motivo da actualidade permanente.
O melhor que se pode fazer é convidar a ler esta obra pequena em extensão mas reveladora de um conhecimento profundo do assunto e de uma preocupação por manter vivo um património importante para a Igreja do Porto e a Igreja de Portugal. Neste tempos de navegação à vista, tanto na pastoral como na cultura, faz bem regressar a D. António e deter-se a pensar os temas da pessoa e da graça, da cultura e da fé. Para os pastores, é uma ocasião de observar como a acção pastoral tem pertinência para guiar a vida, mesmo a vida social. Bem haja, pois, o recentemente nomeado Vigário Episcopal para a Cultura por convidar a este esforço. (Jorge Teixeira da Cunha)
PINHO, Arnaldo de - “O essencial sobre D. António Ferreira Gomes”, Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2004, 64 pp.