Nestes dias da Páscoa, talvez haja ainda quem se pergunte pela verdadeira causa da morte de Jesus. Para lá da resposta jurídica, sobre qual a transgressão da lei que lhe mereceu a pena capital, ou da razão teológica, que responde que morreu por causa dos nossos pecados, ocorre olhar, antes dessas reflexões elaboradas, numa direcção mais próxima da vida.
As narrativas evangélicas apresentam-nos um Jesus a braços com o seu destino de viver em pleno a sua humanidade, diante de Deus e em circunstâncias irrepetíveis, como as de todo o ser humano. A morte de Jesus foi, antes de mais a sua morte pessoal, e não o processo impessoal de um destino alheio. Os textos mostram-no-lo como um ser humano muito senhor das circunstâncias, jogando com a ambiguidade de ser simultaneamente julgado e julgador. Por um lado, objecto de um juízo iníquo e, por outro lado, juiz diante de quem todas as iniquidades são desmascaradas. Pela sua palavra e sobretudo pelo seu silêncio diante dos julgadores, ele é um personagem absolutamente único de um drama único.
Por isso, antes de vermos a morte de Jesus no contexto da redenção do mundo, temos de a ver como a morte pessoal de alguém que viveu de uma maneira única. Antes de ser qualquer outra coisa, a morte é para Jesus a consumação do seu viver, a coroa de um destino pessoal. Jesus sabia certamente isso e é essa consciência que explica o seu silêncio diante de Pilatos, quando uma palavra o podia salvar, ou as suas afirmações sobre a sua identidade de “Filho de Deus” ou a sua identificação com a figura do “filho do homem”, quando o silêncio o podia ilibar. O processo é a coroação de uma existência que, em todos os seus momentos, foi a transparência, na visibilidade deste mundo, da palavra da Vida que a si mesma se revela.
E então a morte de Jesus não tem a ver com a redenção da humanidade pecadora? Tem, mas numa interpretação diferente da do “resgate” dos pecados da humanidade, por uma morte em vez dos culpados. Jesus realmente morre pelos nossos pecados, mas num sentido diferente. Morre num processo iníquo, porque as estruturas de pecado se voltam contra alguém que, no seu viver, mostrou a plena bondade e a justiça perfeita. Jesus supera o pecado porque, na sua humanidade, viveu o amor aos outros e a Deus de uma forma sublime. Onde a liberdade de todos os outros fracassou, a liberdade de Jesus afirmou-se de maneira irrepreensível.
Como é que a redenção se realiza em nosso favor? Não de maneira automática e impessoal, como uma repartição dos méritos de Cristo, por ocasião dos sacramentos. A redenção torna-se nossa quando aceitamos a graça de fazer existencialmente o caminho de Jesus, quer dizer, o caminho da liberdade que se eleva acima da história do pecado, que é a impotência do desejo humano e o fracasso do ser humano como sujeito do seu próprio viver, como vocação ao amor aos outros e a Deus.
Mesmo assim, nunca acabaremos de contemplar a razão pela qual o destino pessoal de Jesus se consumou num sofrimento indescritível, na lonjura de Deus e no abandono humano mais extremo.