Nacional

O Papa e a comunicação social

Pe. Manuel Correia Fernandes
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Nos últimos dias, quando se previu ou presumiu que João Paulo II estava às portas da morte, verificou-se uma interessante (ia a escrever curiosa, imprevisível, talvez estranha) mobilização da comunicação social e da sociedade em geral, em torno do previsível desfecho. A programação encheu-se com a permanência do mesmo tema: a vida e a morte do Papa. É certo que João Paulo II, entre as múltiplas valências do seu pontificado, foi um Papa mediático: a humanidade e a grandiosidade da sua figura, a capacidade de comunicação, a expressividade da voz poderosamente timbrada, aquela mistura de misticismo e corporeidade, de espiritualidade e beleza estética chamavam a atenção, atraíam como íman o olhar tanto dos cristãos como dos jornalistas, cuja capacidade de fascínio tanto bebe nos apelos corporais como nesta indizível capacidade da alma humana e do espírito forte de se exprimir mesmo por um corpo debilitado. Era sabido que todos os jornais, todas as televisões, todas as rádios tinham de há muito preparada esta hora emocionante para a humanidade inteira. Mas é indispensável que salientemos alguns aspectos visíveis neste tratamento mediático, que só se poderá considerar inesperado pela extraordinária dimensão que adquiriu e pela elevada qualidade do tratamento que lhe foi dado O primeiro aspecto a evidenciar é o da aplicação de uma característica da mediatização: a comunicação social é monotemática: quando agarra um assunto, seja ele eufórico ou disfórico, dinâmico ou apagado, espiritual ou material, trata-o a propósito e a despropósito, oportuna ou importunamente. Em consequência, é repetitiva e compulsiva: não pode deixar de falar do mesmo tema, e como os dados novos são poucos, ou o domínio teórico é débil, afirma-se pela repetição do já visto ou dito. Foi o que aconteceu até à exaustão nas sucessivas intervenções: quantas vezes se ouviram as mesmas frases, os mesmos factos, os mesmos dados, as mesmas suposições... Outro aspecto foi o da visibilidade da igreja institucional, e a manifestação da sensibilidade cristã de muita gente que na correnteza dos dias não o manifesta, ou não deixam que se manifeste. É sabido como os acontecimentos eclesiais passam ao lado da atenção da grande comunicação social. No entanto, de repente, como por magia, parecia que nada mais acontecia no mundo que não fosse a expectativa da morte do Papa. Chegou a parecer que haveria aí alguma coisa de doentio: a morte e a vida são sempre temas polémicos. Certamente nunca tanta gente da Igreja institucional foi ouvida, nunca tantos Bispos e padres tiveram oportunidade de se manifestar, de adquirir a visibilidade que habitualmente lhes é negada Um terceiro aspecto foi o do respeito e da emoção, mesmo o sentido universal da oração, com que políticos, jornalistas e cidadãos exaltaram a figura grandiosa do Papa, fazendo emergir de repente a pertinência da sua acção, a convicção da sua fé, a lucidez das suas tomadas de posição, a direcção exacta dos raios de luz que dimanavam da palavra e do gesto. Neste sentido, levando até ao fim a plenitude da vida humana envolta na vida divina, a morte do Papa foi um estranho e talvez sublime sinal de evangelização.


João Paulo II