Vasco da Gama, Oriente: estes nomes vão tornar-se familiares para os participantes no Encontro Europeu em Lisboa. Para alguns, eles evocam apenas um navegador do século XV e uma direcção, a do nascer do sol. Quando se conhece um pouco da cultura portuguesa, compreende-se melhor a importância destas palavras.
Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo da Europa até à Índia, depois de uma viagem de dez meses. Ele tem um papel tão importante na história portuguesa que foi dado o seu nome à maior ponte da Europa, com dezassete quilómetros, que liga a margem sul do Tejo a Lisboa. Esta ponte conduz à zona onde se encontram os pavilhões em que terão lugar as orações comunitárias durante o Encontro Europeu. É um pouco como uma imagem do que vai significar o Encontro: ir mais longe na direcção dos outros, deixar a terra firme e confortável para criar possibilidades de partilha.
Oriente não é apenas uma direcção ou o nome da estação de metro que serve o Parque das Nações; foi também o objectivo de tantas viagens que conduziram os Portugueses até à China ou ao Japão. Que audácia e que sentido do universal animavam estes exploradores! Em frente dos pavilhões ultramodernos, há um símbolo que testemunha isso mesmo: a reconstituição da fachada de uma igreja construída na China naquela época. Antes mesmo dos contactos comerciais houve missionários, como S. Francisco Xavier, que abriram novos caminhos.
Criar laços novos
Desde há vários meses, as paróquias começaram já a preparar-se para o Encontro. Os primeiros encontros já reuniram mais de quinhentos jovens vindos de uma centena de paróquias da região. Vão formar-se grupos em cerca de duzentas paróquias. Eles começarão a informar outros ao seu redor, antes da fase mais activa da preparação, no Outono, quando se terão que encontrar as famílias de acolhimento. O padre Vítor Gonçalves, pároco de Vila Franca de Xira, escreve todas as semanas uma meditação semanal para o jornal da diocese, Voz da Verdade. A reflexão em torno de Evangelho do 6º Domingo da Páscoa – «Viremos a ele e faremos nele morada», João 14,23 – tinha por título «Em Maio a sonhar Dezembro». Ele escrevia:
«Neste Maio fomos visitados por alguns irmãos de Taizé. E começamos a sonhar a imensa aventura de acolher em nossas casas 40 a 50 mil jovens de toda a Europa e de outros pontos do mundo!
Sinto que é um desafio que Jesus nos lança: mobilizar as nossas comunidades, os jovens que são generosos por natureza, as famílias e as pessoas que puderem acolher dois ou mais jovens, esta imensa cidade da ‘grande Lisboa’ a ultrapassar as fronteiras habituais e a criar novos laços a partir da alegria de acolher… simplesmente para acolher, dialogar, partilhar, rezar, e juntos renovarmos a esperança. Porque quem se fecha, morre!
‘Pelo sonho é que vamos’, dizia Sebastião da Gama, e este germina agora. É em Dezembro e já começou. Rompamos as rotinas habituais e as ‘fronteiras’ dos ‘praticantes’. Há tantas pessoas que já praticam a alegria de acolher, e muitas outras que ficarão mais pobres se não contarmos com elas. É precisa a generosidade de todos e o melhor que podemos dar não se adia! Vamos sonhar juntos este milagre!»
A oração é a respiração do cristão
Acolher é também uma aventura que estimula uma procura interior. Ao longo da preparação, haverá tempos regulares de oração nas paróquias e no centro da cidade haverá mesmo orações diárias. Os cânticos que animarão a oração foram gravados pela primeira vez na sua versão portuguesa, para fazer um CD. Alguns jovens, como a Marta, de Alcanhões, falam também acerca do modo como encaram o próximo Encontro na sua caminhada pessoal:
«Não sabemos o dia nem a hora em que Jesus nos bate à porta. Eu também não o sei e, surpreendentemente, ele chamou-me de vários modos e em diversas alturas. Nem sempre disse ‘sim’. Durante alguns anos da minha vida disse-lhe explicitamente ‘não’. Saí da Igreja. Ao mesmo tempo que experimentava momentos de alegria, sempre vividos com ansiedade pelo meu medo de poderem acabar, também conhecia as lacunas duma sociedade sem Deus e a fragilidade do ser humano. A angústia e a desilusão foram-se instalando.
Alguns anos depois recomecei a frequentar as reuniões do grupo de jovens da minha paróquia e integrei-me o mais que pude na Igreja... Hoje sou professora de Educação Moral e Religiosa Católica.
Depois de ter participado nos encontros de Taizé quis viver, como lá se vive tão explicitamente, esta aceitação do outro e de nós próprios. Gradualmente fui percebendo que é possível viver na nossa comunidade esta realidade se rezarmos. A oração é a respiração do cristão.
A notícia do próximo Encontro Europeu ser em Lisboa trouxe-nos muita alegria. Alegria que eu não posso deixar passar. Alegria que eu desejo viver com os outros. Alegria que se antecipa e que revela a existência do nosso Deus que sempre ama.
Estes Encontros são a possibilidade de se conhecer as raízes da comunidade eclesial local e de poder descobrir as potencialidades das paróquias. O povo português é caracterizado muitas vezes pela sua capacidade de acolhimento, mas o comodismo que gradualmente se vai instalando pela evolução da nossa sociedade é uma ameaça a essa nossa marca. Este Encontro vai despertar em nós este tão grande dom.
A minha paróquia é Alcanhões, tem cerca de 1600 habitantes e situa-se a menos de uma hora de Lisboa. Queremos participar neste Encontro com o melhor que temos. A paróquia está a unir-se para juntos vivermos esta caminhada de confiança.»
Não vivemos sozinhos
A descoberta da vida dos cristãos de Lisboa significa também dar atenção às múltiplas iniciativas de solidariedade e de entre-ajuda. Por exemplo, muitos estão prontos a dar alguns meses ou até alguns anos da sua vida para viverem experiências de ajuda humanitária em países como Angola, Moçambique ou Timor Leste. Outros apoiam iniciativas locais em favor dos mais pobres, como os sem-abrigo. Rodrigo, um jovem professor, dá testemunho do seu compromisso:
«Não vivemos sozinhos. Nunca tive tanto esta certeza como quando olhei para os outros e cruzei o meu olhar com pessoas que precisavam de mim. Estava-se no mês de Dezembro. Tinha começado a fazer voluntariado num lar para idosos, numa casa das irmãs da Madre Teresa. Era duro, muito duro, estar com pessoas que se tinham afastado deste mundo, que tinham sido abandonadas na rua. Era também a primeira vez que contactava com este tipo de pessoas, sobretudo com homens, que já nem sequer se lembravam de nada nem de ninguém.
Quando decidi lá ir, era, julgo eu, mais por mim mesmo do que pelos outros; era mais para ser melhor para com os outros, para tentar ser solidário, para ganhar eu próprio alguma coisa. Confesso, não era essencialmente para dar, mas para receber, mesmo se eu próprio não sabia dizer exactamente o quê. E, como pensava sobretudo em receber, digo de novo, achava que estar lá era mesmo muito, muito duro.
Um dia, percebi que um dos homens que se encontrava no lar, mesmo se já não sabia quem ele próprio era, se recordava de mim, reconhecia-me. Ele sabia que eu estava ali, uma vez por semana, para visitá-lo, para falar com ele, para lhe dar um pouco de atenção. Sabia quem eu era e olhava-me nos olhos com um sorriso que, de algum modo, me desconcertava… mesmo sem o saber, ele tinha aprendido a amar-me… E sem o saber, ele modificou também, por completo, a minha maneira de pensar e de agir.
Na capela muito limpa das irmãs, havia um crucifixo, com algumas palavras escritas na parede: ‘Tenho sede’. Acho que foi aí que percebi. No mais profundo daqueles idosos, no interior de cada homem, Cristo estava presente, vivia neles, e pedia-me, tal como há dois mil anos, para lhe dar de beber… e assegurava-me também que, mesmo depois de todo esse tempo, continuava não só a pedir a minha ajuda, mas também a dizer-me que tinha sede de mim, da minha presença, do meu tempo, da minha vida. Tinha sido eu que não tinha de facto percebido o que estava ali a fazer. Mais do que procurar receber, compreendi que seguir a Cristo é dar: não apenas dar alguma coisa, mas darmo-nos a nós mesmos. Nós não vivemos sozinhos, e nos outros, sobretudo nos mais pobres, encontramos sempre o próprio Cristo.»
Carta de Taizé, Agosto-Setembro