Padre e... Pescador: João Brasil
Nas lides piscatórias, o padre pescador esclarece que não faz pesca de rede. Apenas "submarina, miudeza e, menos vezes, a pesca do alto". E acrescenta: "tipo de pesca artesanal". A cana, a linha e o anzol são utensílios essenciais para ocupar os tempos livres. Ordenado sacerdote a 25 de Junho de 1989, este pescador sublinha que "nem sempre se consegue tirar peixe".
Quando o grupo de amigos se junta e o mar está propício, o barco é o companheiro na ondulação. "Vamos pescar para fazermos uma jantarada" - disse. Quando a faina é boa, este grupo de amigos não vende o peixe. Se sobrar "damos às pessoas". Os açorianos têm o mar no sangue e quando "temos um bocadinho de tempo vamos relaxar, descansar e pescar para o mar".
Como o mar não é para brincadeiras, o Pe. João Brasil vai sempre com os amigos para o Oceano Atlântico. Após a pescaria, as brasas esperam pelo fruto do hobby. Na confecção, "todos fazem qualquer coisa". Enquanto uns abrem o peixe, os outros preparam a mesa para o repasto da comunhão.
Este pescador não gosta de ser conotado com o ditado popular - «Pescador e Caçador são uns exagerados» e confessa que não sabe "nem o tamanho, nem o peso dos peixes" que a linha trouxe com a ajuda do isco. "Não ligo a records". O lírio, chicharro, veja, garoupa e o sargo são as espécies mais abundantes no mar que banha a ilha Graciosa. "Temos também a miudeza - peixes mais pequenos - que servem para fritar" - esclarece.
O Verão é a estação preferida para as pescarias. "No Inverno o mar está mais perigoso, por isso vamos poucas vezes". Não se aventuram a percorrer muitas milhas. "Para pescar não é preciso ir muito longe, temos aqui algumas baías".
Para além de ser pescador em part-time, o Pe. João Brasil é também instrutor de mergulho de garrafa. "Sou instrutor de escafandro" - explica. Lentamente, tirou o curso com uns amigos e dá aulas nesta área. Actualmente, "estamos a dar um curso a onze pessoas".
A pesca submarina é outra paixão. "É diferente porque temos de ir para as «baixas» (rochas mais afastadas) onde existem pesqueiros". Com o barco ao largo - "fica sempre alguém a tomar conta da embarcação" - e o seu equipamento, o Pe. João Brasil mergulha na busca do peixe e das belezas do mar. O medo elimina-se com a experiência, mas "já apanhei alguns sustos: tempestades e tubarões". Também já visualizou baleias, todavia estas "passam mais na zona da ilha do Pico e do Faial".
As regras estão estabelecidas. Na pesca submarina não se pode "apanhar mais de dez peixes" por pessoa. Se o número for superior, "estamos sujeitos a uma multa da Polícia Marítima". Nas lides piscatórias nem sempre corre tudo bem. "Às vezes perde-se um arpão, uma arma ou a bóia com o peixe" - reconhece.
Este sacerdote não tem medo dos peixes. Já os conhece e sabe os seus hábitos. "As moreias estão lá nos seus buracos e não temos nada que colocar lá as mãos" - disse. Este pescador consciencioso só "apanha o peixe necessário". Olha para o futuro e fica preocupado com o desaparecimento de algumas espécies.
Os golfinhos são os parceiros predilectos neste sobe e desce das ondas. "Vêm brincar, muitas vezes, para a proa do barco". Para além destes cetáceos, os paroquianos são os companheiros de viagem. "Somos poucos padres e cada um tem as suas acções pastorais".
Pároco, professor, mergulhador
De forma oval e com cerca de 60 Km2 de superfície, a Ilha Graciosa tem quatro paróquias: Praia (S. Mateus); Santa Cruz, Guadalupe e Luz. Pouco montanhosa, plana e baixa na área norte e nordeste, eleva-se lentamente até à altitude de 398 m no Pico Timão, localizado no centro. O Pe. João Brasil tem a seu cargo a paróquia da Praia - cujo padroeiro é S. Mateus - e também joga futsal, tocou violão num rancho folclórico da Ilha de S. Jorge e é professor de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC).
No mergulho amador, o limite de profundidade "não nos deixa passar dos 40 metros". Uma descida por etapas com a ajuda de um "computadorzinho que nos regula" e transmite a informação correcta e os "tempos de descompressão". Com paragens obrigatórias, os mergulhadores devem saber "as sequências" para que o organismo não sofra as sequelas.
Nas profundezas do oceano, este padre da Ilha Graciosa sente-se no "mundo do silêncio". E acrescenta: "é o melhor que os Açores têm". Ao falar das cores que iluminam o oceano, o Pe. João Brasil esclarece: "com a profundidade vão-se perdendo algumas cores". Desaparece o vermelho, o amarelo... O mergulho tem "outra beleza" até aos 20 metros de profundidade. Com a sua máquina fotográfica regista estes segredos do mar. "É um hobby muito engraçado".
A timidez da sua voz indica-nos o caminho... Aponta-nos para o transcendente e as razões deste misticismo. "Habituámo-nos a viver sozinhos e fechados pelo mar". Este é "o primeiro companheiro", por isso "o açoriano é introvertido por natureza".
Apesar de considerar o mar como companheiro, este sacerdote não tem o hábito de ir sozinho para o oceano. "Pode acontecer algo... uma das regras de segurança é ir acompanhado". Olhar o estrelado do céu e sentir o baloiçar das ondas também não é muito aconselhável. "Também não gosto. Já fiz mergulho nocturno e não gostei muito" - confessou.
Tal como a movimentação marítima que «beija» as ilhas de bruma, o nevoeiro inicial do diálogo começa a desvanecer-se. A contrariedade existente no arquipélago - vulcões e terramotos - "ajuda a ligarmo-nos ao transcendente". Em certas circunstâncias considera-se introvertido. "No início sou..." - confessa.
Os sismos moldam a personalidade do açoriano e a tradição religiosa popular centra-se no pedido de auxílio. Nossa Senhora da Saúde e Nossa Senhora do Socorro são expressões "utilizadas com frequência".
Tem duas embarcações - «S. Mateus» (faz parte de uma sociedade) e o «Trimix». O Pe. João Brasil explica o porquê dos nomes dos barcos. O Trimix é um barco de fibra - com 5 metros e 45 centímetros - e esta expressão utiliza-se no mergulho. "É um mergulho com três misturas". Em relação ao S. Mateus, "colocámos este nome porque é o padroeiro da paróquia".
Conotado com a sua riqueza ao nível do peixe, o Pe. João Brasil frisou que, actualmente, "já não existe tanto peixe como as pessoas pensam". As redes "clandestinas estão a matar muito peixe" porque as pessoas "não cumprem as regras".
Foi para o seminário com 15 anos, mas sempre que estava de férias o mar recebia-o de braços abertos. "Os superiores do seminário não lhe diziam nada porque são açorianos e percebem esta ligação entre as pessoas e o mar". Enquanto nas ilhas maiores - caso de S. Miguel - existem freguesias de costas voltadas para o mar, nas ilhas mais pequenas - caso da Graciosa e S. Jorge - "muitas famílias não compram peixe". Há sempre uma que tem um barco e apanha peixe para os vizinhos. "Existe o sentido de comunidade e comunhão entre as pessoas". E completa: "Na ilha Graciosa não há uma peixaria".
Conhece as nove ilhas que compõem o arquipélago - Corvo, Flores, Graciosa, Pico, S. Jorge, Faial, Terceira, Santa Maria e S. Miguel - e quando lhe disse que estive duas semanas na Ilha do Corvo respondeu prontamente: "Isso é um acto heróico". Não teve problemas de adaptação na Graciosa porque as estas terras vulcânicas são "praticamente todas semelhantes".
Ordenado há 20 anos, o Pe. João Brasil esteve dois anos na Ilha das Flores, 10 em S. Jorge e está há oito anos na Ilha Graciosa. "Estamos sempre a aprender com os outros" visto que cada ilhéu tem a sua experiência de vida.
Com cerca de mil paroquianos e os serviços pastorais organizados, este padre considera-se próximo da população. "Devemos estar com as pessoas e movimentar os grupos existentes". E conclui: "a maioria dos apóstolos eram pescadores".
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