Nacional

Padre e... Surfista

Luís Filipe Santos
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Pe. José Pedro Azevedo, pároco de Espinho, concilia mar e oração

No mar, a prancha é o seu lugar sagrado. Depois de ter praticado vários tipos de desporto, o Pe. José Pedro Azevedo fixou-se no bodyboard, mas fez também uma incursão no surf.

Para além de desportista, este jovem padre da diocese do Porto poderia ser engenheiro mecânico no mercado de trabalho. “Andei alguns anos na Faculdade de Engenharia antes de arriscar a minha ida para o Seminário do Porto” – disse à Agência ECCLESIA.

Nos tempos da juventude fez a caminhada no grupo de jovens. Em contacto com o «Movimento Oásis» - “onde o meu grupo de jovens participava” – e num curso com a Irmã Maria Amélia Costa começou a colocar a questão da vocação. “Estava numa vida completamente diferente e, inicialmente, até coloquei isso de parte”, no entanto “aquele bichinho nunca mais deixou de roer aqui por dentro”. Depois de dois anos no Pré-Seminário “resolvi abandonar engenharia e lançar-me” – frisou o actual pároco de Espinho.

Nos tempos de juventude praticou vários tipos de desportos: ténis, atletismo e ginástica. Depois da entrada no seminário para aprofundar a sua vocação “deixei muito daquilo que fazia e, praticamente, só jogava futebol”. Quando foi para Espinho surge o surf, “apesar de ter feito uma incursão quando era mais novo, mas não resultou” – salienta.

Após a ordenação, o Pe. José Pedro foi exercer as funções – durante três anos e meio - de secretário de D. Armindo Lopes Coelho. “É uma vida pouco activa no que toca ao desporto” – lamenta.

Junto ao apelativo mar de Espinho, o Pe. José Pedro voltou a sentir a necessidade de praticar desporto. “A malta convidou-me a fazer surf e avancei por aí” – refere. Para além da vertente desportiva “posso contactar com muitos jovens”.

Como a maioria das pessoas do seu grupo se radicou no bodyboard, “fiquei também neste desporto”. Sabe a maioria das técnicas do bodyboard e tem “os equipamentos todos” – avançou. Uma prancha, uns pés de pato e o fato são objectos fundamentais para a prática deste hobby do Pe. José Pedro. Não considera este desporto difícil. “A primeira vez que nos metemos na água conseguimos fazer alguma coisa e isso dá-nos ânimo para continuar”.

Depois de lhe confessar a minha falta de habilidade para o bodyboard e explicar que a prancha não deslizava com o peso do meu corpo, o Pe. José Pedro deu-me uma lição teórica: “as pranchas devem ser adaptadas à estrutura física das pessoas, só assim conseguimos evoluir e dropar uma onda (dialecto do surf que significa descer a onda da crista até a base).

Este desporto tem várias manobras e utiliza também alguns termos técnicos. “A maioria das vezes deixava-me ir na onda e olhava como os outros faziam para aprender” – frisou o pároco de Espinho. O contacto com os colegas “é um dos privilégios” deste tipo de desporto que “não é colectivo nem individual”.

Enquanto estes gladiadores do mar esperam pelas ondas perfeitas -  para concretizaram as mais variadas técnicas do bodyboard - aproveitam para falar. “Às vezes esse tempo de espera é demorado e muito custoso” – realça. Fazem um esforço enorme para apanhar a onda e, depois, “temos uma sensação muito rápida”.

Enquanto dropa uma onda, o padre surfista sente “uma liberdade muito grande” e “uma pequenez perante a força e imensidão do mar”. Quando se caminha pela areia, as pessoas têm “a impressão que a onda não é muito forte”, mas “lá dentro sentimos a sua robustez”. E acrescenta: “o mar exige muito respeito”.

Quando pratica o bodyboard, este padre do Porto está num ambiente descontraído que o ajuda “espiritualmente e mentalmente”, em particular quando observa o pôr-do-sol. Para além da praia de Espinho, o Pe. José Pedro também frequenta outras estâncias balneares. “Costumo ir para as praias do Alentejo e levo sempre comigo a prancha”.
Se a prancha é a companheira predilecta nas viagens, a bíblia, o breviário e o terço também têm o seu espaço na mochila. “Normalmente, o terço vai no bolso” – disse. Não tem o hábito de levar o terço para o mar e “não sou daqueles que usa o terço ao pescoço”. (Risos).

Não é apologista da moda do símbolo mariano ao pescoço, mas confessa que o bodyboard proporciona “bons momentos para rezar”. Em cima de uma prancha a observar o crepúsculo do dia “acaba por ser oração” porque “estamos em contacto directo com a beleza da criação”.

Tal como no dia-a-dia, este desporto tem normas específicas. “Quem está atrás tem sempre prioridade”. E relata um episódio que lhe aconteceu quando era neófito no bodyboard: “Em Leça da Palmeira ia levando com uma prancha por cima porque não sabia esta regra”.

Nas águas frias do Atlântico, o Pe. José Pedro pratica bodyboard durante os doze meses do ano. Actualmente, está a fazer a tese de doutoramento – na área da Cristologia - e o tempo não chega para tudo. “Este ano tenho feito menos, visto que as investigações obrigam-me a outro tipo de regra de vida”. No entanto, quando o cansaço se apodera da sua mente as ondas de Espinho “aliviam-me o cansaço”. E acrescenta: “É um desporto que aconselho aos padres”.

Apesar de reconhecer os benefícios do bodyboard, o pároco de Espinho confessa que já apanhou alguns sustos no mar. No início, “talvez na terceira ou quarta incursão”, veio enrolado na onda e só parou quando esta terminou. “Naqueles momentos não conseguimos respirar, mas mantive a serenidade”. A voz da experiência deve ser escutada: “Não devemos perder a capacidade de controlo emocional diante destas situações”.

Com o corpo totalmente coberto, excepto a cabeça e as mãos, o padre surfista aguenta muito tempo nas águas gélidas do oceano. Quando esteve no Brasil fez surf sem fato. Considera que é “muito melhor” porque “o fato aperta-nos o corpo todo”. Desliza-se melhor com a indumentária do surf – o nosso corpo cria resistência à água –, mas sem fato “temos a sensação de liberdade e agilidade”.

Nunca lhe aconteceu sair da missa e ir «apanhar uma onda» porque “a Eucaristia é ao final do dia e tenho reuniões todas as noites” – confessou. Normalmente, faz bodyboard de manhã e sempre com companhia. “Aventurei-me a ir sozinho, duas ou três vezes, e senti que não é a mesma coisa”.

Ao praticar este desporto, o sacerdote do Porto sublinha que esta “é uma dimensão interessante da vida do padre”. Permite estar com pessoas que, “talvez nunca estivessem com um padre se não fosse nesta situação”. Os colegas destas lides marítimas sabem “que sou padre e olham para mim como um igual, mas há ali uma referência”.

Como Espinho é atravessada pela linha de comboio, o Pe. José Pedro equipa-se na praia. Não vai de cabeção para a praia... (Risos) “Tenho uma Lycra branca que por baixo do fato preto parece um cabeção” – afirma num tom jocoso.

O pároco de Espinho dropa e faz rotações sobre as ondas. Os mais habilidosos colocam-se de joelhos na prancha... “Uma vez tentei colocar-me de joelhos e levei com a prancha na cabeça” (risos). A caminho dos 40 anos, o padre surfista não se considera um «expert» no bodyboard. “Há tipos que fazem manobras incríveis”.

O objectivo principal é a diversão, mas também evangeliza através deste desporto. A imagem da Igreja está presente no areal e nas ondas de Espinho. Faz a ligação dos “jovens da paróquia ao bodyboard” e, recentemente, fizeram uma tenda na praia com actividades eclesiais. A população “encara bem estas iniciativas” fora das paredes da igreja. 

Os colegas padres não o criticam por praticar este desporto, mas o seu bispo, D. Manuel Clemente, “às vezes diz-me que estou com ar estival”. E avança: “é o bom humor do meu bispo a funcionar” (Risos...)

A fazer a tese de doutoramento na Faculdade de Teologia no Porto sobre a «Cruz de Jesus», o Pe. José Pedro passa também muito do seu tempo no atendimento, “sobretudo espiritual” aos paroquianos. Ao final do dia celebra a Eucaristia, mas “tenho também muitos funerais”. A noite é reservada às reuniões de formação. Quase todos os movimentos que “existem na Igreja Universal têm expressão em Espinho” – afirma.

Há seis anos naquela localidade, ainda não conhece a paróquia “como a palma das minhas mãos”, mas “faço caminho todos os dias com as pessoas” – garante. Com uma grande itinerância – as pessoas deslocam-se com frequência – Espinho é “muito diferente das paróquias vizinhas”. Com cerca de 1500 crianças na catequese, nesta paróquia da diocese do Porto frequentam – ao fim de semana - a Eucaristia mais de três mil pessoas. Espinho “não se pode desviar do mar” porque este “vela uma realidade oculta”.

Nunca pensou fundar uma associação de surfistas católicos, embora no Brasil tomasse contacto com um grupo de surfistas cristãos. “É uma hipótese pensar numa coisa desse género”. Para patrono dos surfistas escolhia S. João devido “à delicadeza da sua ligação a Cristo” ou então S. Pedro por causa “do desafio de me lançar nas ondas”. E conclui: “este ano, nas festas de S. Pedro, fiz a bênção dos surfistas”. Em Espinho, a Igreja prolonga-se até à crista das ondas...

 Luis Filipe Santos



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