Nacional

«Refugiados não são peso para as sociedades de acolhimento»

Nuno Rosário Fernandes
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Entrevista com a Presidente do Conselho Português para os Refugiados, Teresa Tito de Morais

Pela primeira vez Portugal recebe refugiados em processo de reinstalação. Ontem chegaram ao nosso país 12 refugiados políticos da África subsaariana, vindos de Marrocos, pela mão do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) presidido por António Guterres, e que se encontram agora instalados no centro de acolhimento do Conselho Português para os Refugiados (CPR) na Bobadela. Na Assembleia da República esteve em debate, na semana passada, uma proposta de lei que vem favorecer os direitos já consagrados em Portugal e aperfeiçoar o sistema nacional de acolhimento ao refugiado que, prevê a atribuição de direitos iguais aos asilados por motivos políticos e por razões humanitárias. Em conversa com a Presidente do CPR, a Agência ECCLESIA quis conhecer um pouco melhor uma realidade a que os portugueses ainda não estão habituados. Agência ECCLESIA(AE) - Que significado se pode atribuir à chegada destes 12 refugiados a Portugal? Teresa Tito de Morais(TTM) – Para o Conselho Português para os Refugiados (CPR) é um momento de grande satisfação porque pela primeira vez Portugal recebe, no âmbito da reinstalação, um grupo de pessoas que necessitavam de protecção. É de saudar as autoridades portuguesas por terem tido este gesto e por terem sido sensíveis aos apelos que o CPR tem feito. Sendo um país com tão poucos pedidos de asilo, Portugal pode fazer mais e melhor, juntando-se à comunidade internacional para minorar o sofrimento destas pessoas. AE – Portugal é o país da União Europeia com menor número de pedidos de asilo. Que justificação se pode atribuir para este facto? TTM – Pensamos que, ou pela situação geográfica em que Portugal se encontra, ou por ser um país menos conhecido e menos atractivo para os requerentes de asilo, mantém-se de facto como o país da União Europeia e da Europa que tem menos procura. Em termos de infra-estruturas de acolhimento nós estamos a melhorar, e prevê-se melhorar ainda mais com a inauguração do novo centro de acolhimento que estará construído no final deste ano. Por outro lado, como membros da União Europeia, em termos de lei de asilo, a nossa lei não é diferente das outras. AE – Na semana passada foi debatida na Assembleia da República uma proposta de lei para os requerente de asilo. A actual legislação em vigor no nosso país favorece estes refugiados? TTM – A lei já previa que Portugal poderia receber casos de reinstalação no âmbito da cooperação com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e é sob proposta deste que estes casos são aceites. AE – Considera que a presença de António Guterres na liderança do ACNUR pode favorecer estas situações de acolhimento? TTM – Eu penso que sim. Para Portugal é visível que tendo um português à frente de uma organização internacional com a vocação que o ACNUR tem, de protecção das pessoas que necessitam do estatuto de refugiado ou de qualquer outro tipo de protecção, torna o país mais atento, e até a própria comunicação social contribui para isso. AE – E os portugueses estão sensibilizados para estas questões? TTM – Eu quero acreditar que os portugueses são um povo generoso. Têm mostrado sensibilidade, e até já sofreram o exílio, a emigração, e portanto sabem bem o que é isso. Sabem que é necessário encontrar um país acolhedor e países que entendam os problemas que as pessoas trazem consigo. Portanto há uma obrigação histórica de entender esta problemática. No entanto, as crises económicas e sociais que os países atravessam, e nós também, fazem com que as pessoas se tornem egoístas e desconfiadas. Muitas vezes não entendem bem que nos devemos abrir e que devemos cooperar com os estados para o desenvolvimento do nosso próprio país, porque os refugiados não são um peso para as sociedades de acolhimento. São pessoas que têm, normalmente, formação, cultura, e que podem contribuir para o desenvolvimento do país de acolhimento. AE – Mas encontra alguma resistência da parte dos portugueses? TTM – Na comunidade local onde o nosso centro de acolhimento está inserido inicialmente havia uma certa desconfiança relativamente à sua abertura mas, a partir do funcionamento do próprio centro, começaram a aderir ao nosso projecto e a ter uma atitude de colaboração e até receptiva. Sabem que estas pessoas são acompanhadas, respeitadas, e que não vão criar problemas nem serem factor de desestabilização no país. Porém aquelas pessoas que não são acompanhadas, que ficam sem qualquer tipo de apoio, esses sim, poderão cair na marginalidade e constituir problemas mais graves para o país. Mas não posso esconder que há pessoas muito intolerantes e que expressam essa intolerância com uma certa veemência, mas penso que isso é uma falta de conhecimento e de informação que leva a esses comportamentos. AE – Que acompanhamento vai ser dado a estes refugiados recém chegados? TTM – Eles estão alojados no nosso centro de acolhimento da Bobadela, e vão ter à sua disposição todos os serviços que temos para os ajudar numa perspectiva de integração. Além do alojamento, alimentação, subsídio de transporte, apoio médico à chegada, quer a nível físico que a nível psicológico, começam desde já a aprender a língua portuguesa. Depois têm também cursos de iniciação à informática. Ao mesmo tempo o nosso gabinete jurídico segue os trâmites legais para que eles possam ter o cartão de identidade para o refugiado, para tenham a possibilidade de se integrarem no nosso mercado de trabalho e de acederem a uma habitação. Temos ainda um técnico que vai fazer a equivalência das competências e dos diplomas. Este um processo que vai ser acompanhado na base das parcerias que o CPR tem com outras instituições públicas e privadas. AE – Que condições oferece o centro onde estes refugiados agora se encontram? TTM – O centro de acolhimento da Bobadela pertence ao CPR, e tem o objectivo de favorecer o apoio social. Tem capacidade para 21 camas e foi criado para situações transitórias. Situações em que deveriam permanecer no máximo durante dois meses. Perante o reduzido número de pedidos havia lugares vagos mas, de qualquer forma neste momento temos 8 lugares que estão a ser ocupados por requerentes de asilo. Os doze estão destinados a estes casos de reinstalação com um processo um pouco diferente, porque vão ser acompanhados no sentido de serem integrados mais tarde. Os outros oito, à medida que a sua situação jurídica é decidida pelas autoridades portuguesas, acabam por sair do centro.


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