Nacional

Regresso a África

Francisco Perestrello
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Com o conhecimento adquirido ao longo de séculos quanto a costumes ou civilações africanas, haveria condições em Portugal para que o cinema se debruçasse com frequência sobre este Continente. Tal não acontece, e mesmo os factos historicamente recentes da guerra que se prolongou ao longo dos anos 60 e início dos 70, raramente têm sido alvo de trabalhos minimamente objectivos. Fugindo à tradição, Margarida Cardoso decidiu adaptar um romance de Lídia Jorge, «A Costa dos Murmúrios», e da expressão escrita passar à imagem. Toda a acção do filme se situa na área urbana, fora do teatro de guerra, tendo por tema as relações e os conflitos entre os familiares dos militares ausentes nas zonas de combate. E é assim que nos vamos apercebendo – pelos comentários, pelos estados de espírito – do que se passa nas zonas quentes, sempre referidas mas nunca directamente vistas. Para além dos assuntos triviais e próprios dos entrechos cinematográficos – as intrigas, os romances – toma particular importância a análise subtil da progressiva tomada de consciência por parte das mulheres, que em situação de confronto tomam diferentes partidos ou atitudes em relação ao caminho de Moçambique para a independência, que se vai sentindo no ambiente de crescente violência que se verifica na própria cidade. O filme consegue criar algum ambiente de tensão e dar uma ideia bastante clara do ambiente vivido na época. Mais do que em longas descrições ou recurso a imagens exteriores, o filme suporta-se na personalidade de cada um e cada uma das intervenientes. É mais um filme de interiores, de diálogos bem construídos, de expressão de sentimentos. Como principal qualidade refira-se a sobriedade e eficiência com que é realizado, pois sem deixar de apresentar algumas deficiências está já ao nível de um cinema digno, que mostra como se tem progredido, nos anos mais recentes, na forma de fazer cinema em Portugal. Francisco Perestrello


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