Seminário debruçou-se sobre a relação do Estado com as religiões
“A laicização é uma problemática importante nas sociedades de hegemonia católica, e Portugal é de hegemonia católica”, defendeu hoje António Matos Ferreira, do Centro de Estudos em História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (UCP), no decorrer de um Seminário subordinado ao tema «República e Religiões: imagens da convivência inter-confessional no 1º século da República Portuguesa».
Recorde-se que a questão da laicidade do Estado, e da relação deste com a Igreja, tem sido nos últimos dias motivo de debate, suscitado pela presença de crucifixos nas escolas portuguesas.
Assim, numa análise retrospectiva e histórica, Matos Ferreira salientou a evolução do Estado moderno de “confessional para uma secularização” sublinhando ainda que “o problema da liberdade religiosa é o problema da legitimidade reconhecida da apostasia e do ateísmo”. Neste percurso histórico a instauração da República e o desejo de “uma vida nova para a Nação traduziu-se em decisões administrativas e legislativas que pretendiam destituir a Igreja Católica Romana como aferidora da simbólica identitária da Nação – disse - e, simultaneamente, valorizar o Estado como a instância determinante da vinculação social”, referiu o docente da UCP.
Em declarações à Agência ECCLESIA, António Matos Ferreira lembrou que “o religioso tem grandes tradições que marcam uma sociedade, e é uma realidade que está em mutação, o que traz conflitos no interior das sociedades e também um questionamento das próprias instituições religiosas com essas sociedades e um questionamento interno”, salientou.
Segundo este historiador, na história da relação do Estado com a Igreja, com a República “a principal e mais marcante alteração foi a lei da separação e não propriamente o regalismo. E a ideia de que o Estado deveria tutelar a Igreja, na 1ª República, o confronto entre a Igreja Católica e a República levou a que se tivesse no fundo aceite como um património que há uma destrinça entre o Estado e a Igreja Católica ou seja, há destrinça entre o plano político e o religioso. Ao mesmo tempo – continuou - também se considera a ideia de que não compete ao estado tutelar o religioso”, explicou.
A realização deste Seminário, organizado pelo Museu da República, visava sobretudo “fazer uma abordagem histórica e cívica”, disse à Agência ECCLESIA, Paulo Mendes Pinto, do Centro de Estudos em Ciências da Religiões da Universidade Lusófona e coordenador deste evento, procurando falar da relação existente entre a República e as Religiões, e “fazendo um percurso que começa antes de 1910 até a actualidade”, destacou.
“O interesse da organização em lançar esta questão – continuou ainda - é um interesse histórico mas também cívico, de construir a própria República numa dimensão que actualmente é bastante necessária. Porque muitas tem sido as polémicas em torno de questões religiosas, no seu relacionamento com o Estado ou com algumas das suas instituições”, acrescentou. Por isso, continua, “a convivência neste espaço publico que é a República tem que existir. Surgiram utopias que nos diziam que as religiões iam acabar, ou não mas, a verdade é que elas não acabaram e estão aí, e mais do que isso todos os membros das religiões são cidadãos, e tem espaço nesta coisa publica. A República também é para eles”, afirmou.
Entre vários representantes de confissões religiosas, na assistência estava presente o Arcebispo Teodoro, da Igreja Ortodoxa de Portugal, que à Agência ECCLESIA manifestou também a sua preocupação com as questões, hoje tão badaladas, da laicidade. “A laicidade corresponde a uma evolução da humanidade num sentido oposto aquele que é o cristianismo” disse. “Verifica-se que a humanidade vai avançando, sobretudo a nível da civilização ocidental no sentido da lacização e da dessacralização”.
A relação do Estado com a Igreja teve, na história do último Século, uma evolução que se traduziu numa fase de anti-clericalismo, com uma grande ruptura, onde foi implementada a Lei do Divórcio, a obrigatoriedade do registo civil, a abolição dos dias santificados, e a data mais marcante, o 20 de Abril de 1911, com a Lei da Separação e o fim do confessionalismo do Estado.