Jesuíta português do século XVII deixou marca própria na China, onde ganhou admiração pela sua sabedoria em diversos campos
Nos últimos dois meses deste ano de 2008, realizaram-se quatro simpósios (dois em Lisboa e dois em Macau e Pequim), consagrando um português, entre os grandes da nossa história, embora desconhecido dos nossos manuais. Referimo-nos a Tomás Pereira, famalicense, nascido em S. Martinho do Vale, em 1645, e que, entrando para os jesuítas, em Coimbra, no ano de 1663 (com 18 anos), partiu, a seu pedido, para as Missões da Índia, três anos mais tarde. Depois de algum tempo em Goa, foi enviado para Macau, e, em 1673, passou dali à China, onde viveu 35 anos, até à morte, em 1708.
Um dos Simpósios de Lisboa, realizado de 10 a 12 de Novembro, no Museu do Oriente, apresentava um título que punha em relevo o ambiente da acção deste jesuíta português, o maior responsável pelo encontro cultural entre o Ocidente e a China: "Na luz e na sombra de um imperador". De facto, vivendo na corte, admirado pela sua sabedoria em diversos campos, experimentou bem a complexidade da sua missão, no contexto da política chinesa e da cultura da corte dessa época, e, nomeadamente, na sua relação pessoal, única e privilegiada, com o grande imperador Kangxi.
È de salientar a faceta especial dos missionários que se dirigiam à China, para poderem ser ouvidos: religiosos que se apresentavam como sábios ou cientistas. Assim, Tomás Pereira, missionário jesuíta, foi também eminente geógrafo, astrónomo, engenheiro, arquitecto, intérprete, diplomata e conselheiro político de um dos maiores Imperadores da China…
Apesar das vicissitudes que se adivinham em tal ambiente, Tomás Pereira soube-se impor, para dar um exemplo que ficou para a história universal, como hábil mediador das relações sino-russas, sendo mesmo o principal responsável pelo Tratado de Nerchinsk, que delimitou a fronteira entre a China e a Rússia. Ao mesmo tempo, ocupou interinamente o cargo de prefeito do Tribunal das Matemáticas e assumiu o papel de efectivo representante e protector da Missão Cristã na Corte Imperial, a ele se devendo o famoso Édito Imperial de Tolerância do Cristianismo na China.
Ficou ainda na história como admirável autor de um tratado sobre música europeia, traduzido para chinês, sendo considerado como o introdutor da música europeia na China, responsável pela criação dos nomes chineses para os termos técnicos musicais do Ocidente, muitos dos quais são utilizados ainda hoje. Construiu mais de duas dezenas de órgãos de tubos, ficou famoso um carrilhão de sinos numa Igreja de Pequim, inventou várias máquinas de medir o tempo, autênticos relógios gigantescos, que causavam a admiração do povo, que aparecia em autênticas peregrinações, para os ver e apreciar.
Na abertura do Simpósio em Lisboa, o Padre Nuno da Silva Gonçalves, Superior Provincial dos Jesuítas Portugueses, sintetizava assim a aspiração pelas Missões da China, vivida no tempo do Padre Tomás Pereira: “Na esteira de S. Francisco Xavier, que desembarcou em Goa, a 6 de Maio de 1542, as missões do Oriente provocaram um inegável fascínio em sucessivas gerações de jesuítas, numa extraordinária aventura que levou a Companhia de Jesus a regiões situadas muito para lá das zonas de domínio português. Deste modo, ao longo dos séculos XVI a XVIII, encontramos centenas de jesuítas espalhados por todo o Oriente, enquanto muitos outros, na Europa, manifestavam a mesma disponibilidade para partir.
“O último grande sonho de São Francisco Xavier, aquele que não conseguiu realizar, foi a entrada na China. Muito lentamente, esse sonho foi-se concretizando, num percurso iniciado em Macau até finalmente poder atingir Pequim. O Padre Tomás Pereira é uma dessas figuras cimeiras que puderam cumprir o sonho de Xavier e que, na sua vida e obra, nos deixou um legado que as celebrações do tricentenário da sua morte muito justamente estão a valorizar.”
Sob o signo “Na luz e na sombra de um imperador – Tomás Pereira, S. J. (1645-1708), o imperador Kangxi e a missão jesuíta na China” decorreram estes quatro colóquios, que, se não chegaram ao grande público, suscitaram bem o interesse de historiadores e de sinólogos, provindos sobretudo de Portugal e da China (Macau e Pequim), dos Estados Unidos, da Alemanha, da Espanha e da Itália. Por parte da Igreja, empenharam-se directamente a Companhia de Jesus (Províncias de Portugal e da China), o Instituo Ricci de Macau e a Universidade Católica Portuguesa.
João Caniço
FOTO: Revista «Amar&Servir»/JC