“Chorai, olhos; Chorai, olhos;
O chorar não é desprezo;
A virgem também chorou
Quando viu seu Filho preso”
Usado na zona de Idanha-a-Nova, este ditado popular simboliza a vivência daquele povo no período quaresmal. A Santa Casa da Misericórdia de Alcafozes (freguesia de Idanha) agarrou esta caminhada em direcção à Páscoa e promoveu os «Os Passos» e as «Procissões de Quinta e Sexta-Feira Santas» - sublinha o livro “Este Pedaço de Vida que vos dei...”, do Pe. Adelino Américo Lourenço. Em declarações à Agência ECCLESIA Joaquim Caetano, Comissário da Exposição “Formas da Fé” - patente ao público no Centro Cultural Raiano, em Idanha-a-Nova – integrada nas comemorações dos 800 anos da doação da carta de foral a Idanha-a-Nova por D. Sancho I a D. Fernando Dias, Mestre da Ordem dos Templários, datada de 23 de Janeiro de 1206 que eleva Idanha-a-Nova a vila, realça que “as misericórdias utilizavam com frequência – no período que começava na Quinta-Feira das Endoenças – uma decoração efémera com panos pintados que eram pendurados nas Igrejas”. Pela documentação existente – realça Joaquim Caetano – “todas as misericórdias mandavam pintar panos para colocarem nas portas das Igrejas com os passos da Paixão”. Os dados sobre estas tradições “desapareceram em quase todos os sítios mas no concelho de Idanha existem dois documentos que relatam isto. O isolamento contribui para a preservação de alguns elementos” – disse.
Esta região raiana está um “pouco esquecida do ponto de vista da História da Arte” mas é um “campo fértil de estudos na área da etnologia” – avançou Joaquim Caetano. E exemplifica: “as misericórdias desta região faziam com frequência os chamados bodos”. Ao nível da arquitectura, escultura e pintura a região de Idanha “tem muito interesse”. Numa era globalizante, Idanha ainda “conserva” as suas raízes populares. Actualmente, a Festividade da Senhora do Almortão é cultuada na 3ª semana após a Páscoa mas “tradicionalmente a grande romaria era em Setembro (antes das sementeiras). É um culto agrícola e rural. Era conhecida como a Senhora de Setembro em contraposição às Senhoras de Agosto”. E acrescenta: “esta romaria estava relacionada com a distribuição e o sorteio dos baldios para as sementeiras”. Nestas romarias as adufeiras (mulheres que tocam adufe) são presença «obrigatória» tal como acontece na Vigília Pascal onde estas cantam «alvíssaras» (cantares tradicionais festivos ou regionais, por vezes com quadras improvisadas, neste caso alusivas à Ressurreição).
Os livros de actas existentes, desde 1895, no arquivo da Confraria, constatam a realização anual de duas festas marianas, com cariz popular. Igualmente, se menciona que o capelão celebrava Missa em cada primeiro sábado do mês e que, no dia 25 de Março, era distribuída esmola estatutária aos pobres.
Para mostrar aos interessados a importância deste património cultural e artístico fez-se a exposição «Formas da fé». Idanha é uma região com tradições de fé “muito vivas, nomeadamente na Páscoa, – movimentam a população praticamente toda – e a festa da Senhora do Almortão” – disse Joaquim Caetano.
A exposição mostra cerca de quatro dezenas de peças de todo o concelho. “A mais antiga é um Calvário completo (3 peças), do século XIII, de Proença-a-Velha. Um calvário gótico – talvez seja de origem francesa - de importância internacional” – disse Joaquim Caetano. Esta peça raríssima só por si “merece a visita à exposição”. E continua: “deve ter sido uma doação templária ligada à fundação de Proença”.
Os visitantes – “têm sido muitos” – podem também visualizar uma imagem da Virgem do Leite, de Penha Garcia, esculpida em calcário de Ançã e datada de 1469. Uma obra do mestre João Afonso - de Coimbra -, o escultor mais importante daquela cidade nos meados do século XV. Em termos artísticos, ele faz “a ligação entre o grupo de escultores da Batalha (fundamental da nossa escultura dos finais do século XIV e inícios do século XV) e as grandes oficinas coimbrãs (do século XVI)” – avançou Joaquim Caetano.
Para concretizar esta mostra “tivemos de fazer uma selecção” porque “o orçamento não chegada para intervir nas peças todas”. “Só foram feitos restauros de algumas obras de um pintor manuelino, provavelmente era daquelas terras, que era desconhecido da historiografia portuguesa”. Depois da descoberta “colocámo-lhe o nome de mestre do Rosmaninhal”. Este pintor tem um tríptico na Igreja do Rosmaninhal, três pinturas no Museu de Castelo Branco e uma pintura na Igreja Matriz de Proença-a-Velha. “Um grupo de sete peças que nos permite definir a personalidade artística” – apurou o comissário da exposição.
O roteiro artístico começa no século XIII e termina no século XIX. “Temos também duas peças do século XIX: Uma adoração do Sagrado Coração de Jesus (escultura tardo-barroca) e com um manto rico da Senhora do Almortão”