Nacional

Vocação laical deve ser mais assumida na Igreja portuguesa

Jornal da Madeira
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Declarações do director do Centro de Estudos Sócio-pastorais da Universidade Católica Portuguesa

A consciência sobre o papel dos leigos e a vocação laical na Igreja ainda não assume aquela importância que lhe é devida. É muito frequente entender-se a Igreja apenas como hierarquia e as vocações consagradas. O II Concílio do Vaticano e outros documentos posteriores explicitaram o lugar dos leigos e a sua intervenção no mundo, mas poucos avanços se deram. A leitura da situação entre nós é feita pelo sociólogo Marinho Antunes, director do Centro de Estudos Sócio-pastorais da Universidade Católica Portuguesa. A realidade é clara: existe uma larga maioria de leigos em Portugal, derivada naturalmente da sua condição de baptizados, mas pouco se sabe sobre a sua verdadeira identidade em termos de missão específica e única, no conjunto dos vários ministérios da Igreja. A questão tem sido estudada desde há muito pelo psicólogo Marinho Antunes que, em entrevista ao Jornal da Madeira, traçou os principais sintomas deste diagnóstico. Por um lado, “há um entendimento geral, a nível do senso comum, da sociedade, da nossa cultura e até de alguns baptizados, que os leigos não são Igreja. Esta ficaria reduzida aos clérigos e aos religiosos (as) com certa visibilidade. Há gente leiga com visibilidade pública, mas fica-se numa certa indefinição, ou seja, não identificamos os leigos como uma forma própria de um estado na Igreja, não temos consciência de que o leigo faz parte integrante e tem um papel e vocação própria.” A mentalidade cultural não é suficientemente aberta? “ O problema tem a ver com muita ignorância”, considera Marinho Antunes. “Há pouca informação e uma leitura muito pouco consistente em muitos meios. Isto significa também que a própria Igreja, os próprios leigos não têm uma afirmação explícita, clara, da sua condição de membros da comunidade. Por isso, quando se fala da Igreja o que salta mais à vista, para o senso comum, são os bispos, os religiosos e os santos; urge cultivar a consciência sobre a participação de todos, ninguém fica excluído”. Em Portugal, de uma maneira geral, mais numas regiões do que noutras, a incapacidade para se entender este traço distintivo do leigo é visível. Segundo o director do Centro de Estudos sócio-pastorais da Universidade Católica, “isto é mais notório naquelas zonas onde a cristandade se implantou da forma mais tradicional e onde os leigos vão às celebrações, participam na vida cultual, mas a consciência de membro activo e de pleno direito na vida paroquial ainda não está clara.” Identidades estão definidas Ainda de acordo com Marinho Antunes, há matéria doutrinal e documentos conciliares suficientes para se conhecer a verdadeira identidade laical. Basta recordar, por exemplo, a Exortação Apostólica “Christifideles laici”, do Papa João Paulo II, sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo, de 1988, na sequência do Sínodo dos Bispos sobre o mesmo tema: “A missão salvífica da Igreja no mundo realiza-se não só pelos ministros que o são em virtude sacramento da Ordem, mas também por todos os fiéis leigos: estes, com efeito, por força da sua condição baptismal e da sua vocação específica, na medida própria de cada um, participam no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo”. Nestas circunstâncias, de acordo com as necessidades, os “Pastores devem reconhecer e promover os ofícios e as funções dos fiéis leigos”. Este tema, aliás, não é novo; já o II Concílio do Vaticano afirmara esta possibilidade de forma solene, através da Exortação Apostólica do Papa Paulo VI, “Evangelii nuntiandi”. Para Marinho Antunes, a tomada de consciência desta afirmação “implica um trabalho dentro da própria Igreja. Implica que se faça uma acção sistemática de formação dos leigos e que se fale da vocação laical, em conjunto com as vocações sacerdotais e consagradas”. Por outro lado, considera este sociólogo, “o Sínodo dos Bispos em 1988 chamou a atenção que era preciso esclarecer isto, que se continuasse a fazer um estudo e se apresentassem conclusões mas a verdade é que, desde essa data até hoje, isso não apareceu, apesar da Exortação do Papa”. Bispos portugueses reconhecem missão Entre nós, e sobre o assunto, destaca-se a Carta Pastoral “Os cristãos leigos na comunhão e missão da Igreja em Portugal”, publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa, em Setembro de 1989, onde se diz que: “No que aos ministérios diz respeito, é preciso chegar à definição clara do âmbito de cada um e esclarecer em que circunstâncias a forma habitual de servir a Igreja, numa esfera considerada permanente da sua acção, pode dar origem a um ministério estável. (...) Mas, é sobretudo no esclarecimento e estruturação dos ministérios laicais que é preciso dar passos em frente”... . Ainda assim, os ministérios dos leigos na vida activa da Igreja é já notória em muitos campos, por exemplo, como catequistas, animadores da oração e do canto litúrgico, devotados ao serviço da Palavra de Deus, assistência aos irmãos necessitados, como responsáveis por movimentos apostólicos... A participação dos leigos na construção do mundo é tarefa imprescindível como testemunho da sua fé e da sua condição de membro da Igreja, inserida em todos os contextos da vida. Os tempos, porém, estão a mudar, há novos desafios, pelo que se apela a uma consciência mais comprometida, mais identificada com o momento presente e de acordo com o próprio dinamismo da evangelização, defende o sociólogo Marinho Antunes. Outra questão importante é que a missão dos leigos não se esgota no seu papel dentro da Igreja. “E esta dimensão está menos clara”, considera Marinho Antunes. Ou seja, “já não basta estar ao serviço da catequese ou de outras tarefas, é preciso avançar agora na transformação e na construção do mundo”. Este imperativo relacionado com a presença dos leigos enfrenta, no entanto, alguns dificuldades. Segundo aquele especialista, “notam-se duas coisas: uma é que na própria vida interna da Igreja esta dimensão é habitualmente menos prezada (tem menos valor). Como já sublinhei, ainda se olha para os leigos, em muitos sítios, com uma visão muito clerical e acho que os leigos aí devem ter responsabilidades. Outra coisa que acontece, é a pouca consciência que os próprios leigos têm de serem Igreja no meio do mundo. Eles têm uma missão própria no mundo e para o mundo, não podem prescindir dessa tarefa; trata-se de uma presença diferente, fora dos conventos ou das casas paroquiais; estão no mundo para transformá-lo. São membros da Igreja para mudar o mundo e isso não se faz apenas pelos sacramentos, isso faz-se na mudança do dia-a-dia, no modo como se faz política, dá aulas, como se está na empresa , no clube de futebol e em tantas outras coisas da vida”. O mundo é o lugar da missão, a vivência do Evangelho em todos os aspectos, salienta Marinho Antunes: “os clérigos e os religiosos também estão no mundo, simplesmente estão numa relação diferente com o mundo e sobretudo com a construção quotidiana do mundo. É típico dos leigos evangelizar em vários campos, na vida familiar, laboral, por exemplo. A própria Igreja, em muitos casos, não está muito sensível a esta situação. Já não digo a doutrina porque, como disse, muita reflexão já foi feita, o Papa fala disto permanentemente e os nossos Bispos também já se pronunciaram... . Agora, sente-se que isto não tem passado suficientemente para os cristãos em geral. Durante a missa, por exemplo, o grande lugar de encontro, é pouco frequente que os leigos sejam sensibilizados para esta situação, de que têm uma vocação própria, dons e carismas próprios. A missão não pode restringir-se apenas ao interior do templo e das organizações em sentido estrito. A dimensão da Igreja que está no mundo como sal e luz, na vida familiar e social, em todos os campos, precisa também de ser valorizada”. Mudança de época e interdependências Os tempos são outros, parecer que tudo à nossa volta se desmorona, mas há razões para a esperança. Marinho Antunes entende que não se deve voltar as costas aos problemas, baixar os braços ou desanimar. “Vivemos desafios particularmente importantes, hoje mesmo, agora, neste momento, em que estamos a mudar de época. Estamos numa profunda mudança e transformação das nossas sociedades, da cultura, a nível mundial com a globalizada, a nível do nosso dia-a-dia, etc. . A mudança é tão rápida e há tantos factores de mudança , tanta diversidade e interdependência, tanta comparação com outras culturas e religiões, a ponto de muitos cristãos ficarem com a sensação de que isto está tudo a se desfazer. É uma situação muito desagradável, penosa, de quem parece estar a perder o pé. O mundo antigo, efectivamente, está a desmoronar-se, não podemos ter dúvidas sobre isto. Agora, ficamos com uma má visão do problema se não percebermos que este é o momento oportuno para irmos construindo um mundo novo. Isto implica participação, exige que as pessoas não fiquem simplesmente a gritar “aqui d'el rei”, chamem a polícia ou um salvador que ponha isto na ordem. Houve outros tempos na história que foi assim, isto não é novidade, mas agora cabe-nos viver este tempo; e é um tempo em que precisamos ir muito mais fundo, temos de sr muito mais exigentes acerca da qualidade da nossa vida cristã, porque em tempos de uma certa rotina, em que as coisas vão correndo naturalmente segundo nos disseram os nossos pais e antepassados, há que reagir. Estamos noutro enquadramento social e cultural que implica uma capacidade de leitura diferente do tempo da história. Os leigos estão mais expostos neste caso, mas é preciso comprometer-se mais, à luz da fé”. Leigos mais informados O empenhamento dos leigos nas comunidades paroquiais, entretanto, não está isento de alguns confrontos. “Em alguns casos”, diz Marinho Antunes, “isto talvez tenha gerado algum confronto. Mas, hoje, é preciso ter em conta que os leigos não estão acantonados à sua paróquia. Nós viajamos, como é próprio de uma sociedade moderna, vamos à escola mais tempo, estamos mais a par do se passa no mundo, conhecem-se outras experiências. Além disso, no contexto da actual globalização, confrontam-se também comunidades através de notícias que até provocam eventuais tensões. Deste modo, há que atender à participação dos leigos, no sentido em que ela só vai beneficiar a Igreja em geral; os leigos não vão substituir ninguém e esta questão não é de hoje, apenas existem novos meios que ajudam a descobrir melhor esta realidade que, durante séculos, deixamos adormecida. Há muito caminho por andar, apesar de tudo, e isso depende em boa parte da vida apostólica das paróquias”, concluiu.


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