Vaticano

A coragem política da paz preventiva

Voz Portucalense
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Foi sob o signo de Alcides De Gaspari e de Jorge La Pira que decorreu, em Bolonha, a XLIV Semana Social dos Católicos Italianos. O tema geral “A democracia: novos cenários, novos poderes” foi abordado sob diversos aspectos: ciência e tecnologia, economia e finanças, democracia e informação, outros poderes. A evocação daqueles dois políticos católicos do após Guerra deve-se à ocorrência de aniversários a eles relativos. De Gaspari, um dos fundadores da República Italiana, primeiro-ministro de 1945 a 1953, faleceu em 1954. La Pira, presidente da Câmara de Florença nos anos 50 e 60, nascera em 1904. Um e outro se notabilizaram pela largueza de vistas e pelo sentido de responsabilidade e serviço com que se empenharam na vida política, assumindo publicamente a sua condição de cristãos católicos. Recebendo, no passado dia 2, no Vaticano, o “Prémio da Coragem Política”, atribuído pela revista “Politique Internationale”, João Paulo II congratulou-se com a atenção que hoje em dia merece a missão de paz desenvolvida pela Igreja num mundo a braços com tantos conflitos. Embora sem mencionar os dois jornalistas franceses reféns no Iraque, o Papa recordou a coragem dos trabalhadores da informação que colaboram ao serviço da paz informando e comentando sobre as situações de guerra. Evocando expressamente “os reféns e suas famílias, vítimas inocentes da violência e do ódio”, o pontífice exortou os homens de boa vontade ao respeito da vida de cada pessoa: “Nenhuma revindicação pode levar a mercadejar vidas humanas! – advertiu. A via da violência é um beco sem saída!” Exprimindo as razões da atribuição do Prémio, Patrick Wajsman, director da referida revista, exprimiu o apreço que merece “o profeta desarmado que soube restituir aos povos oprimidos e aos esquecidos da História razões de esperar”, colocando-se “no extremo oposto do espírito de Munique” e recordando a todos que “é o homem a única legitimidade e finalidade do poder” e que “nenhum regime é eterno”. Conformando-se às leis da publicidade e das relações públicas, uma delegação do Vaticano foi, na semana passada, à Feira do Livro de Francoforte anunciar a publicação na próxima primavera de mais um livro de Karol Wojtyla, espécie de memórias e considerações sobre a história polaca, europeia e mundial, no século XX. Como é habitual neste tipo de pré-lançamento de uma obra, à busca de editoras interessadas em comprar os direitos de tradução para as respectivas línguas e países, foram mesmo divulgados extractos da obra, a que os meios de comunicação italianos deram bastante destaque. Alguma polémica suscitou a expressão usada pelo antigo professor de Antropologia cristã da Universidade de Cracóvia, classificando o comunismo ateu de “mal necessário”. Para além de algumas poucas críticas superficiais, não faltaram reflexões mais cuidadas sobre a questão do mal no mundo e na história e a atitude activa, ao mesmo tempo “mística” e “política”, espiritual e racional, que Papa Wojtyla sempre assumiu. A paz preventiva É este mesmo espírito – que é afinal o “espírito de Assis” dos encontros inter-religiosos - que a Comunidade de Santo Egídio tenta promover desde sempre, combatendo em todas as frentes a favor do diálogo, do encontro, da comunicação, do respeito, perante tantas formas de conflito, agressividade, ódio e terrorismo. Em aberta contraposição aos fautores da “guerra preventiva”, que a consideram inevitável no actual “afrontamento de civilizações” (Samuel Huntington), para combater e abater, enquanto é tempo, com “raiva e orgulho” (Oriana Fallaci), aqueles que pretendem destruir-nos, André Riccardi acaba de publicar “La pace preventiva”, defendendo a possibilidade e o dever de construir a paz, no dia a dia, através de gestos concretos de acolhimento, diálogo, solidariedade, cooperação. Para o cristão, as razões de uma verdadeira esperança não poderão vir senão da fé em Cristo, caminho do homem, que implica um profundo respeito do outro e a decisão de resistir ao mal com o bem, a todo o custo, nos gestos pessoais. É a questão de ver que sentido tem hoje em dia a indicação evangélica de “oferecer a outra face”, e como conjugar justiça e perdão. A questão aparece também no primeiro filme de Susana Tamaro, Nel mio amore. A ver, apreciar e debater. Pacheco Gonçalves, Voz Portucalense


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