Vaticano

À Imagem e semelhança de Deus

Elias Couto
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Intenção do Papa para o Apostolado de Oração - DEZEMBRO

Que se difunda a compreensão, cada vez mais plena, da dignidade do homem e da mulher, segundo os desígnios do Criador 1. Dificuldades. Para os cristãos – bem como para os crentes da maior parte das religiões – falar da vida como fruto acabado da obra de Deus Criador não suscita particulares problemas de compreensão. E, na tradição judaico-cristã, o homem e a mulher são ditos criaturas de Deus, criados à sua «imagem e semelhança» (cfr. Génesis 1, 26 ss) – condição de onde brota a sua particular dignidade. No contexto cultural em que nos movemos, porém, estas afirmações correm o sério risco da incompreensão ou de serem consideradas crenças absurdas, fruto de uma época de ignorância. De facto, nos ambientes culturais «ilustrados», a ideia de um Deus criador deixou de ter lugar, ficando a explicação da origem da vida entregue à interacção casual entre elementos químicos, num ambiente propício ao aparecimento de combinações capazes de, casualmente, produzirem seres biológicos. Não há, nesta concepção, qualquer lugar para um «desígnio inteligente» na natureza e menos ainda para Deus, como ser pessoal que leva a cabo a obra da criação. Quanto ao ser humano, é visto como produto do mesmo processo, aparecendo numa fase mais avançada de complexificação evolutiva, mas sempre fruto das mesmas forças cegas que estiveram na origem da vida – pelo que, no fim de contas, não dispõe de uma dignidade particular relativamente às outras formas de vida, a não ser aquela que se queira atribuir a si próprio, enquanto ser pensante, capaz de auto-reflexão e de atribuir significado à sua existência e à dos seus semelhantes. 2. Consequências. A afirmação da Igreja de que a particular dignidade do ser humano brota da sua condição de «imagem e semelhança de Deus» dificilmente encontra eco na vida colectiva. E a sua insistência em temas éticos e morais derivados desta particular dignidade torna-se incompreensível para muitos dos nossos contemporâneos. Os casos do aborto e da eutanásia são, a este respeito, paradigmáticos: se cada ser humano, desde a sua origem até à sua morte natural, não é, em si mesmo, um testemunho incontornável da transcendência que lhe está na origem e constitui a fonte última da inviolabilidade da sua existência, então é sempre possível estabelecer excepções a essa dignidade inviolável, em função dos interesses do momento, sejam eles de um indivíduo, de um grupo ou de uma colectividade. E é isso que está em jogo no aborto e na eutanásia legalizados: não se reconhece uma trans-cendência legitimadora da dignidade humana, não se admite uma instância exterior e melhor do que a sociedade para decidir sobre tal dignidade – logo, esta está ao dispor de maiorias conjunturais ou de poderes de facto que se exercem num determinado momento. Acresce que nunca se sabe quem vai, em última instância, estabelecer tais excepções e em relação a quem: no passado foram os hereges, os judeus, os inimigos da classe operária... hoje são as crianças ainda não nascidas, os doentes incuráveis... amanhã poderão ser os idosos, os deficientes, os improdutivos... 3. Anunciar pelo exemplo. O anúncio, por parte da Igreja, da dignidade humana e a denúncia oportuna de todas as violações da mesma, encontrará a melhor explicação no exemplo que a Igreja der de respeito absoluto deste valor e de serviço constante, descomprometido e pleno de amor àqueles que, em cada momento, se encontrem em situação de maior necessidade. Ou seja: a Igreja não pode condenar o aborto e passar ao lado das situações de miséria e fome; a Igreja não pode condenar a eutanásia e ignorar que muitos seres humanos não têm acesso a cuidados básicos de saúde – não porque tais situações sejam ética e moralmente equivalentes, mas porque em qualquer dos casos, de modos distintos, está em jogo a dignidade humana. Passará, certamente, por aqui, o fruto da oração pela Intenção deste mês e esta oração há-de conduzir-nos aqui. Elias Couto


Bento XVI