Horas antes do encontro que reuniu os líderes dos EUA, Grã-Bretanha e Espanha sob o patrocínio do governo português nos Açores, João Paulo II deixou claro que a ofensiva militar contra o Iraque o preocupa por causa das consequências humanitárias, mas sobretudo por causa do perigo que representa “para o equilíbrio da inteira região do Médio Oriente”, como referiu durante a oração do Angelus na manhã desse dia, 16 de Março.
O Cardeal Pio Laghi, enviado especial do Papa para George W. Bush, ao mesmo tempo que pedia que a mensagem papal, que transportou ao presidente norte-americano em inícios de Março, fosse ouvida por todos os participantes na “cimeira”, confessava que João Paulo II teme que “o Médio Oriente se desestabilize e que a guerra contra o Iraque torne a situação ingovernável na região e no globo”.
Não conhecendo o teor da mensagem, não é difícil adivinhar semelhanças com a carta escrita ao pai Bush em 15 de Janeiro de 1991, dias antes do início da Guerra do Golfo: “estou seguro de que o senhor Presidente não poupará esforços para evitar decisões que sejam irreversíveis e que levariam consigo um enorme sofrimento a tantos povos do Médio Oriente”. Condenando a guerra, João Paulo II defendia uma solução “a favor do diálogo, que devolva a soberania ao povo do Kuwait e que restabeleça na área do Golfo e de todo o Médio Oriente a ordem internacional, a base para uma coexistência pacífica entre os povos”.
Esta preocupação constante com a situação no Médio Oriente, especialmente com a Terra Santa – ainda na semana passada o Papa anunciava um retiro espiritual “de silêncio e de oração terei presentes as necessidades da Igreja e as preocupações de toda a humanidade, em especial tudo o que se refere à paz no Iraque e na Terra Santa” – foi partilhada pelos aliados transatlânticos na cimeira dos Açores: “todos trabalharemos para a construção de um processo em que possam coexistir lado a lado um Estado Israelita confiante na sua segurança e um Estado Palestiniano viável” adiantou Tony Blair, surpreendendo os muitos que esperavam ouvir, apenas, uma declaração de guerra ao Iraque.
A declaração sobre o Iraque que resultou da cimeira dos Açores representava um ultimato aos indecisos nas Nações Unidas. Apesar da profissão de fé que os intervenientes fizeram no que diz respeito à contribuição da ONU na construção de um “novo Iraque”, ela ficou de fora na decisão de começar a guerra: no Angelus João Paulo II pedia aos membros do Conselho de Segurança que esgotassem todas as vias diplomáticas, pedia tempo, porque “o uso da força representa o último recurso”; na noite de 17 de Março, George W. Bush decidiu que já não podia esperar mais.