O ano de 2004 poderá revelar-se um ano dramático para o continente africano. A fome está já a afectar milhões de pessoas em países como Angola, o Sudão e o Quénia que estão dependentes da ajuda internacional. Na origem da escassez de alimentos nestes países conjugam-se vários factores como o clima, a guerra, a corrupção e a miséria.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas anunciou ontem que Angola está à beira de uma catástrofe alimentar. A agência recebeu dos países doadores apenas 45 milhões de dólares, uma quantia que está muito longe dos 235 milhões de dólares que o PAM diz necessitar para a ajuda a Angola. Se esta ajuda não chegar poderá ficar em causa o processo de repatriamento de centenas de milhar de refugiados que saíram do país durante a guerra.
Mike Huggins, um responsável do PAM declarou em entrevista à TSF que “há uma necessidade urgente de novas doações, caso contrário vamos ser obrigados a cortar por completo o fornecimento de cereais já em Setembro, o que é muito mau, porque é o começo da estação das chuvas”. Mike Huggins considera a situação em Angola como uma “miséria imensurável”, num país onde faltam escolas, água potável, electricidade e, principalmente, comida.
No âmbito da campanha “Fome em Angola - Urgência de Solidariedade” a Caritas Portuguesa enviou para Angola, por via marítima, um contentor com alimentos e medicamentos, doados pelas Dioceses, organizações de solidariedade social e por particulares.
O espectro da fome ameaça também 1,2 milhões de refugiados na região do Darfur, no Sudão, que abandonaram as suas casas por causa dos ataques, pilhagens e violações executadas pelas milícias árabes Janjaweed.
Com o acordo hoje conseguido entre o PAM e os dois movimentos rebeldes sudaneses - Exército de Libertação do Sudão e Movimento para a Justiça e Igualdade - surge a esperança de que seja possível fazer com que a ajuda alimentar chegue a tempo de evitar uma tragédia nos campos de refugiados. Se os rebeldes cumprirem este acordo, os comboios de ajuda alimentar poderão circular sem serem atacados nas zonas controladas por estes grupos. Resta saber se a situação será igual nas zonas controladas pelas milícias Janjaweed.
Os ataques aos comboios das Nações Unidas e as estradas intransitáveis por causa das chuvas fizeram com que o PAM tivesse que gastar ainda mais dinheiro para poder lançar os alimentos a partir de aviões de carga. No início de Julho o PAM gastou 800 mil dólares na aquisição de milhares de toneladas de alimentos que foram distribuídas, por avião, a milhões de pessoas no norte e no sul do Darfur.
O PAM tem actualmente em curso um segundo concurso para o fornecimento de 2 mil toneladas de alimentos nutritivos, atribuído a várias empresas alimentares sedeadas na Etiópia, país vizinho do Sudão. Ramiro Lopes da Silva, responsável do PAM para o Sudão, declarou à agência All Africa que “distribuir alimentos por avião é sempre um último recurso muito dispendioso, mas em muitas zonas do Darfur simplesmente não temos outra escolha”.
No Quénia as escassas chuvas em Abril e em Maio arruinaram as colheitas deste ano, consideradas as mais fracas desde 1999. O Padre Rafael Magiti disse à Ajuda à Igreja que Sofre que nos últimos meses muitas pessoas têm procurado o centro pastoral de Karungu. “As pessoas estão constantemente a bater à nossa porta para pedir ajuda, mas a este ritmo não teremos nada para lhes dar”, afirmou o sacerdote. As paróquias estão a distribuir mantimentos às populações famintas mas as reservas estão a chegar ao fim.
O Governo e a Igreja do Quénia, em conjunto com as Nações Unidas, lançaram um apelo para uma ajuda de emergência de cerca de 100 milhões de dólares para fazer face à crise. No entanto, os representantes de alguns dos países doadores deram a entender que não irão contribuir para este plano de emergência, acusando o governo queniano de nada fazer para erradicar a corrupção que emerge no executivo. O Alto-Comissário britânico Edward Clay afirmou recentemente que durante os 18 meses da administração do actual Presidente Kibaki desapareceram quase 200 milhões de dólares. Os representantes dos Estados Unidos e da Noruega manifestaram idêntica opinião.
No continente africano o “roteiro da fome” estende-se ainda por outros países como o Chad, a Namíbia ou a Etiópia. As condições climáticas, a guerra, a corrupção e a miséria estão a deixar milhões de pessoas em risco de subnutrição. No Quénia o responsável da UNICEF alerta para o crescimento da taxa de subnutrição que actualmente é duas vezes mais alta que os níveis considerados como aceitáveis pela organização.