Uma delegação da Ajuda à Igreja que Sofre visitou a China em Setembro deste ano. Os representantes da instituição constataram, uma vez mais, as dificuldades que marcam o quotidiano das irmãs e irmãos católicos chineses. O sofrimento dos fiéis da “Igreja do Silêncio” chinesa surge retratado nos seus testemunhos, dados sob nomes fictícios por motivos de segurança.
“Hna Zong” trabalha num orfanato católico numa diocese a norte de Pequim. A jovem, tal como a maioria das religiosas nesta diocese a norte de Pequim, é filha única e provem de uma família de camponeses. “Quando disse aos meus pais que queria dedicar-me à vida consagrada, a sua primeira reacção não foi entusiástica porque contavam comigo para o trabalho no campo”, afirma Hna Zong.
Neste orfanato, situado no coração da zona rural chinesa, as religiosas recebem bebés e crianças – especialmente as que são portadoras de deficiências – que são deixadas pelas mães à porta desta instituição católica. Devido à política do filho único e ao diagnóstico pré-natal, a opção é, em muitos casos, o aborto ou o abandono das crianças. Os casais com um segundo filho arriscam uma multa que ascende a um salário médio de 6 meses, uma quantia que duplica por cada filho adicional. No entanto, segundo a religiosa, “os controlos de natalidade oficiais são menos frequentes no campo do que nos centros urbanos e já não são tão raras as famílias com três filhos”.
As religiosas salvam assim numerosas vidas que, de outra forma, teriam desaparecido. O Governo tolera a existência destas instituições católicas, que acabam por colmatar a inexistência de um sistema de assistência social eficaz. No entanto, as autoridades exercem uma vigilância apertada para garantir que estas organizações se limitam à assistência e ao acolhimento de pessoas. É proibido qualquer tipo de divulgação religiosa.
“Aqui os meninos são felizes, o que não acontece nas instituições estatais. Nesses estabelecimentos as condições de vida são espantosas”, refere a Irmã “Yang” que também trabalha no orfanato. “A China moderna é um país de jovens. Os idosos, os deficientes e os doentes não têm lugar na sociedade”, explica a irmã Zong.
Em Wanxian, o Convento de Sichuan foi reconstruído nas escarpas do rio Yangtzé – onde os chineses construíram a maior barragem do mundo – mas o edifício continua sob o risco de derrocada devido aos movimentos de terras. A Irmã “Liu” gostaria de levar uma vida religiosa “mais recolhida”, mas as grandes obras em curso na região exigem uma grande flexibilidade às religiosas de Sichuan. Aos 25 anos não se sente integrada numa sociedade onde a condição feminina não melhorou após a revolução cultural. Confinadas a trabalhos pouco gratificantes, as mulheres trabalham mais horas que os homens e recebem em média um salário quatro vezes inferior. Liu gostaria de conhecer outras religiosas no resto do mundo.
Um intelectual de Pequim explicou à Ajuda à Igreja que Sofre que na China “existe, de um modo geral, uma visão tradicional do Catolicismo: funcional, ligada à obediência e ao trabalho. Os avanços do Concílio Vaticano II vão chegando pouco a pouco”. Para mudar esta visão seria fundamental haver intercâmbios espirituais com o estrangeiro, mas sair do país não é fácil para as religiosas chinesas.
A senhora “Hong” tem 65 anos e há muito tempo que se dedica ao voluntariado, dirigindo um grupo de catequese. No pulso tem um relógio decorado com uma estrela vermelha. Em conversa diz-nos que trabalhou como engenheira para o Governo: “Queria ser católica, mas isso é proibido quando se trabalha para o Estado. Portanto, quando me reformei, baptizei-me e depois consagrei-me de corpo e alma à Igreja”. Deseja, com todas as suas forças que o Senhor perdoe o que fez quando era funcionária estatal e destina grande parte da sua pensão de reforma ao episcopado.
Apesar de fazer parte de uma diocese “oficial” (registada junto das autoridades chinesas) o Padre “Zhang” sabe que o Estado vigia todas as actividades dos sacerdotes e que, por vezes, são presos religiosos e voluntários “demasiado comprometidos” que são libertados algum tempo depois.
Com uma grande necessidade de religiosas e voluntários, a Igreja da China necessitaria de uma base mais sólida do que a que desfruta na actualidade. É imenso o trabalho dos católicos, sejam eles “oficiais” ou “clandestinos”. Como mostram os testemunhos dos católicos chineses, a pressão exercida pelo Governo afecta a todos.