O Cardeal Saraiva Martins, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, deixou hoje os seus votos pessoais para que o processo de beatificação e canonização de João Paulo II “se desenrole o mais rapidamente possível”.
Falando aos jornalistas, na Universidade Lusíada, o Cardeal português deixou claro que o processo seguirá “todas as normas canónicas”, apesar da dispensa do tempo de espera de cinco anos, e escusou-se a prever quanto tempo poderá demorar, dado que o processo ainda se encontra na fase diocesana, fora do âmbito do seu Dicastério.
O processo segue uma fase diocesana, que começou no passado dia 28 de Junho, e posteriormente outra fase, na Santa Sé. A Diocese de Roma tem, agora, de proceder à recolha de todos os documentos relativos à vida e obra de João Paulo II, incluindo os escritos inéditos, anteriores à sua eleição como Papa.
Na Congregação para as Causas dos Santos teólogos, médicos e historiadores irão analisar esses dados. As suas conclusões serão depois submetidas ao exame da "Ordinária" da Congregação, composta por 30 membros, entre Cardeais, Arcebispos e Bispos: é a eles que compete aprová-las ou não.
Confrontado com a hipótese de se avançar para a declaração de martírio do Papa polaco, para apressar o processo, o prefeito da Congregação para as Causas dos Santos disse que “isso é uma coisa muito séria”.
“O mártir é aquele que dá a vida pela fé, que derrama o seu sangue. Mesmo no caso do atentado de 1981, não há uma escolha consciente, pelo que penso que será difícil”, explicou.
Já em relação aos últimos anos de vida de João Paulo II, o Cardeal Saraiva Martins frisa que os mesmos são uma prova “da atitude de vida do Papa, não do martírio como effusio sanguinis(efusão de sangue)”.
Sobre a manifestação pública no dia do funeral do Papa polaco, com o pedido de “Santo Subito” (Santo depressa), a mesma foi considerada como “a expressão, importante, da ideia que os fiéis tinham sobre o Papa”.
A necessidade de um processo, em contraposição à “aclamação” popular foi defendida pelo Cardeal português como uma forma de preservar a memória do Beato ou Santo. “Daqui a 100 anos, ninguém saberia quem tinha sido João Paulo II se não houvesse processo”, assegura.
"O próprio João Paulo II haveria de querer o processo", conclui.
Ainda hoje, na audiência geral, Bento XVI manifestou o seu particular interesse pelo processo, pedindo aos peregrinos polacos que rezem pela beatificação do "seu" Papa.
Processo de canonização
Num rápido olhar sobre a história, percebe-se que nos primeiros séculos, o reconhecimento da santidade acontecia em âmbito local, a partir da fama popular do santo e com a aprovação dos bispos. Ao longo do tempo e sobretudo no Ocidente, começou a ser solicitada a intervenção do Papa a fim de conferir um maior grau de autoridade às canonizações dos santos. A primeira intervenção papal deste tipo foi de João XV em 993, que declarou santo o bispo Udalrico de Augusta, que tinha morrido vinte anos antes.
As canonizações tornaram-se exclusividade do Pontífice por decisão de Gregório IX em 1234. No decorrer do século XVI começou-se a distinguir entre “beatificação”, isto é, o reconhecimento da santidade de uma pessoa com culto em âmbito local e “canonização”, o reconhecimento da santidade com a prática do culto universal, para toda a Igreja. Também a beatificação se tornou uma prerrogativa da Santa Sé, e o primeiro acto deste tipo refere-se ao papa Alexandre VII em 1662 na beatificação de Francisco de Sales.
Hoje em dia todas estas normas encontram-se na constituição apostólica Divinus perfectionis Magister (25 de Janeiro de 1983) de João Paulo II e nas normas traçadas pela Congregação para as Causas dos Santos. Nelas foi operada a reforma mais radical dos processos de Canonização desde os decretos de Urbano VIII, com o objectivo de obter simplicidade, rapidez, colegialidade e eficácia.
O processo para a canonização tem uma primeira etapa na Diocese em que faleceu o Servo de Deus. A segunda etapa tem lugar em Roma, onde se examina toda a documentação enviada pelo Bispo diocesano. Após exame profundo da documentação efectuada pelos teólogos e especialistas, compete ao Papa declarar a heroicidade das virtudes, a autenticidade dos milagres, a beatificação e a canonização.
A tramitação do processo de santidade de um católico morto com fama de santo passa por etapas bem distintas. Após a sua morte, qualquer católico ou grupo de fiéis pode iniciar o processo, através de um postulador, constituído mediante mandato de procuração e aprovado pelo bispo local.
Juntam-se os testemunhos e pede-se a permissão à Santa Sé. Quando se consegue esta permissão, procede-se ao exame detalhado dos relatos das testemunhas, a fim de apurar de que forma a pessoa em questão exercitou a heroicidade das virtudes cristãs.
Aos bispos diocesanos compete o direito de investigar acerca da vida, virtudes ou martírio e fama de santidade ou de martírio, milagres aduzidos, e ainda, se for o caso, do culto antigo do Servo de Deus, cuja canonização se pede.
Este levantamento de informações é enviado à Santa Sé. Se o exame dos documentos é positivo, o “servo de Deus” é proclamado “venerável”.
A segunda etapa do processo consiste no exame dos milagres atribuídos à intercessão do “venerável”. Se um deste milagres é considerado autêntico, o “venerável” é considerado “beato”. Quando após a beatificação se verifica um outro milagre devidamente reconhecido, então o beato é proclamado “santo”.
O Milagre
Os trâmites processuais para o reconhecimento do milagre acontecem segundo as normas estabelecidas em 1983. A legislação estabelece a distinção de dois procedimentos: o diocesano e o da Congregação, dito romano.
O primeiro realiza-se no âmbito da diocese na qual aconteceu o facto prodigioso. O bispo abre a instrução sobre o pressuposto milagre na qual são reunidas tanto os depoimentos das testemunhas oculares interrogadas por um tribunal devidamente constituído, como a completa documentação clínica e instrumental inerente ao caso.
Num segundo momento, a Congregação para as Causas dos Santos examina os actos processuais recebidos e as eventuais documentações suplementares, pronunciando
o juízo de mérito.
O decreto é o acto que conclui o caminho jurídico para a constatação de um milagre. É um acto jurídico da Congregação para as Causas dos Santos, aprovado pelo Papa, com o qual um facto prodigioso é definido como verdadeiro milagre.
Os acontecimentos extraordinários atribuídos à intercessão de João Paulo II, ainda em vida, não têm validade para esta fase do processo.