Vaticano

Coerência na promoção da cultura da vida

Elias Couto
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Na sua intenção de Dezembro, Papa pede coragem para fazer face à «crescente expansão da cultura da violência e da morte»

Que perante a crescente expansão da cultura da violência e da morte, a Igreja promova corajosamente a cultura da vida, nas suas actividades apostólicas e missionárias [Intenção Geral do Santo Padre para o mês de DEZEMBRO] 1. Cultura da violência e da morte Quando se fala de «cultura da morte», não se trata de cultura entendida no seu sentido mais amplo, antes de opções ideológicas ou modos de vida que, por conhecerem grande divulgação e aceitação social, passam a fazer parte de uma dada cultura, marcando-a negativamente. É o caso da utilização lúdica da violência. Todos somos expostos diariamente à violência e à morte ficcionadas. Muitos jogos de computador constituem, neste campo, um caso extremo. Deste modo, banalizam-se a violência e a morte como produtos de entretenimento – e, com o tempo, tal banalização passa a integrar os comportamentos quotidianos... É o caso, bem mais grave, da relação das nossas sociedades com os mais débeis: as crianças não nascidas e os idosos ou doentes em fase terminal ou com doença incurável. Quanto a estes, vai lentamente impondo-se como aceitável a legalização da eutanásia – primeiro, em certas circunstâncias, depois as circunstâncias alargam-se, pela lei natural das coisas... e virá o tempo de a eutanásia ser socialmente considerada uma obrigação, do próprio ou dos familiares... Quanto às crianças não nascidas, o Estado não apenas se demite da obrigação de as proteger, mas reconhece legalmente o direito de as eliminar, segundo as conveniências dos progenitores – e há até quem trabalhe arduamente com o objectivo de levar as Nações Unidas a declarar o aborto um «direito humano»! 2. Raízes da cultura da morte A raiz profunda desta cultura da morte está na perda do sentido e da dignidade do ser humano, considerado como um primata entre primatas cujo fim é a morte. Não surpreende, por isso, a facilidade em justificar a eliminação dos mais fracos ou daqueles que, por algum motivo, acabem considerados um incómodo para a sociedade ou para alguém em particular. Começou-se pelas crianças ainda não nascidas, estamos a passar aos idosos, doentes incuráveis e terminais e, a seu tempo, outros humanos serão incluídos no role dos dispensáveis: deficientes profundos, crianças nascidas com alguma doença grave... Já vimos isto no século passado, quando o nazismo se lançou na «purificação da raça alemã», eliminando deficientes, inválidos e as «raças inferiores». Ora, o nazismo, com traços de religião pagã, era sobretudo uma cultura da violência e da morte, sem nenhuma dimensão de transcendência. Embora mais sofisticada, a actual cultura da morte tem as mesmas características profundas e acaba sendo mais insidiosa – pois tudo é feito em nome da liberdade, dos direitos individuais e sob a capa da legalidade democrática, não provocando, por isso, a rejeição que o nazismo conheceu, sobretudo depois de derrotado. 3. Promover a cultura da vida O presente não permite alimentar grandes esperanças quanto a uma alteração do modelo cultural em que vivemos. Os cristãos, apesar disso, devem promover a cultura da vida, esperando contra toda a esperança, como S. Paulo diz de Abraão (cf. Romanos 4, 18). Um aspecto fundamental deste combate passa pela proposta de uma visão do ser humano capaz de integrar a dimensão de transcendência e a relação com Deus. Esta é a única resposta à visão materialista dominante. Fazendo-o, a Igreja dá voz a uma Tradição com milénios, fundada na Bíblia. Tradição que constituiu, durante séculos, o alicerce da cultura ocidental, mas que, actualmente, é considerada como inutilidade fruto da superstição e da ignorância. Esta proposta encontra a sua explicitação no anúncio de Jesus Cristo como fonte de vida e salvação para todo o ser humano, independentemente do tempo e do lugar. Por si mesmo, um tal anúncio é gerador de cultura e cultura de vida. Não o fazer é deixar de cumprir a própria missão, renunciar a gerar cultura iluminada pelo Evangelho... e deixar a outros a possibilidade de formatar a sociedade segundo os próprios desígnios. A questão é saber se, enquanto cristãos, estamos convencidos de ter algo de original e valioso a propor aos nossos contemporâneos, capaz de edificar sociedades mais justas e culturas mais humanizadas e humanizadoras... Importa, porém, que a vida pessoal e comunitária não contradiga o anúncio. Se vivemos segundo os paradigmas da cultura da morte, quem vai escutar as nossas palavras em defesa da vida? Se o Cristianismo deve aparecer cada vez mais como um modo culturalmente alternativo de viver em sociedade – em muitos casos, como uma contracultura – tal deve manifestar-se nas opções de vida dos cristãos. Ora, um dos males mais evidentes da Igreja, hoje, é a incapacidade de tantos cristãos em assumirem a sua fé nas opções da vida quotidiana: na hora de votar, de servir a causa pública, de consumir, na vida familiar, no compromisso em favor dos outros... Perante isto, de pouco serve que o Magistério da Igreja tome posições públicas atempadas sobre os temas mais graves da vida em sociedade, pois tais ensinamentos acabam por não encontrar quem os traduza em vida e os transforme em cultura – neste caso, cultura da vida opondo-se com coragem determinada à cultura da morte suave e delicada que vai dominando o nosso quotidiano. Elias Couto


Bento XVI