Que a família seja sempre mais lugar de formação para o amor, de crescimento pessoal e de transmissão da fé. [Intenção Geral do Papa para Janeiro]
1. Um assunto de todos
A família é, para todos, um assunto pessoal: a família que se tem ou não, o ambiente familiar, as relações com os diversos membros da família... A família que se tem pode tornar-se modelo a imitar ou objecto de rejeição – mas cada um percebe-se como pessoa em relação a ela. A família que se não teve pode surgir como família ideal a constituir ou como mágoa profunda deixada pela ausência – mas nem por isso a família deixa de ser vivida como referência de um modo de ser humano inscrito no mais profundo de cada um. A família natural – pai, mãe e filhos, ligados por laços biológicos e afectivos a outros que partilham a mesma identidade – permanece, assim, como referência primeira de identificação de cada pessoa e como o lugar e o modo mais apropriado para cada novo ser humano crescer e se realizar.
2. Lugar do amor e do crescimento pessoal
A família natural é uma estrutura base das sociedades. Não por acaso, às famílias divorciadas ou monoparentais ou constituídas como “união de facto” estão associadas taxas mais elevadas de pobreza e de insucesso escolar dos filhos. Razão pela qual o empenho ideológico de certos grupos e partidos políticos em promover a desestruturação das famílias, equiparando-lhes as “uniões de facto” ou banalizando o divórcio, acaba por se voltar contra as pessoas e contra a sociedade. A família natural não tem, à partida, nenhuma garantia absoluta de sucesso – mas as probabilidades de ser bem sucedida são bastante favoráveis, relativamente às “alternativas”. E as hipóteses de sucesso aumentam se a família for, de facto, lugar onde se faz a experiência do amor humano na sua expressão mais acabada – amor como doação de si, disponibilidade para o outro, delicadeza, auxílio mútuo... tudo quanto faz o ser humano sentir-se reconhecido, querido e cuidado. Este modo de vida pode, sem dúvida, acontecer fora do âmbito familiar – mas é muito mais provável que aconteça no seio da família, gerando fidelidade entre os esposos, estabilidade do matrimónio, melhor educação dos filhos, maior solidariedade inter-geracional e até melhores condições para a obtenção dos meios materiais que asseguram a vida quotidiana. Ora, estas são condições básicas para o desenvolvimento pessoal e para uma vida humanamente equilibrada e realizadora. Muitas pessoas conseguem-no sem contar com uma família assim estruturada – e outras não conseguem, mesmo contando com a família. Isso não impede que o caminho mais fácil e humanamente realizador passe pela família.
3. Lugar da transmissão da fé
Ser cristão transforma a vida pessoal e comunitária, acrescentando-lhe uma nova dimensão – o seguimento de Cristo e a fidelidade ao seu Evangelho. Para o cristão católico, este seguimento passa por acolher o Evangelho tal como é proposto pelo Magistério da Igreja – e não segundo as ideias, as opiniões ou os gostos de cada um, mais ou menos ditados pelas circunstâncias pessoais. Relativamente à família, isso implica algumas exigências. Estas não anulam nem contradizem o que é suposto a família ser, antes reforçam, aprofundam e confirmam o essencial com a luz do Evangelho. Não é de estranhar, por isso, que a proposta de família apresentada pela Igreja seja submetida a duras provas na sociedade actual.
As famílias católicas são chamadas a transmitir esta fé eclesial, sobretudo aos seus membros mais novos. Os casais católicos com filhos têm, por isso, uma particular responsabilidade perante a Igreja. Responsabilidade cada vez mais difícil de levar adiante, num contexto social e cultural que promove a indiferença religiosa ou o ateísmo como atitudes “sensatas” e “esclarecidas”. É necessário, por isso, que as famílias encontrem modos adequados à transmissão da fé em tempos difíceis, para que a fé não apareça como algo deslocado no tempo, estranho ao quotidiano das crianças e dos jovens. Sendo cada família católica uma comunidade humana e cristã profundamente original, cada uma há-de encontrar o modo mais adequado de levar por diante esta tarefa da transmissão da fé. Sabendo, porém, que a fé não é simplesmente uma questão de doutrina ou de princípios morais. É um estilo de vida com provas dadas em dois mil anos de história; é uma Tradição que enraíza e dá sentido à nossa cultura; e, sobretudo, é o seguimento de uma pessoa, Jesus Cristo, o qual revela Deus ao homem e o homem a si mesmo. Assim vivida e transmitida, a fé será uma proposta dinâmica, pessoal e mobilizadora, capaz de se constituir em alternativa a modos de vida que, embora mais segundo o espírito do tempo, não respondem em plenitude aos anseios profundos do ser humano e, por vezes, contribuem poderosamente para a sua desumanização.
Elias Couto