Vaticano

Crise humanitária no Uganda ensombra acto eleitoral

Nuno Rosário Fernandes
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Missionários relatam violações de direitos humanos

Hoje os ugandeses vão às urnas para eleger o Presidente e mais 310 deputados. Estas são as primeiras eleições multipartidárias daquele país da África Oriental, e segundo a Agência Panapress, o acto eleitoral começou com calma e ordem, numa altura em que se receava que a violência do fim de campanha pudesse continuar no dia do escrutínio quando os 10,4 milhões de eleitores fossem votar. Os concorrentes à Presidência são o Presidente cessante Yoweri Museveni da Organização-Movimento da Resistência Nacional (NRM-O), John Ssebaana Kizito do Partido Democrático, Kizza Besigye do Fórum para a Mudança Democrática, Miria Obote do Congresso do Povo do Uganda e Abed Bwanika, candidato independente. Porém, e de acordo com resultados de sondagens independentes, haverá uma forte disputa entre Museveni e o seu ex-camarada de armas Besigye e chega-se mesmo a prever uma segunda volta entre os dois candidatos. Discriminação étnica O vencedor deverá conseguir mais de 50 por cento dos votos para poder governar, e encontrará, certamente, entre mãos alguns problemas de direitos humanos para resolver. Veja-se o caso de Lacor. Naquela cidade do Uganda há cerca de 12 mil desalojados de etnia Acoli, vítimas da guerra civil, da desnutrição e da indiferença do governo. São homens, mulheres e crianças que se encontram numa situação que se caracteriza pelas precárias condições de habitabilidade. Em determinados campos, um único poço de água serve cerca de 4000 desalojados. Cerca de 1000 destes exilados de etnia Acoli morrem em cada semana, nos 200 campos do Norte do Uganda, denuncia o último relatório referido por Olara Otunnu, o ex subsecretário geral da ONU, citado pelo jornal católico italiano «Avvenire». Em cada ano são cerca de 50 mil os falecidos e, destes, mais de um terço são crianças. Nestes campos a mortalidade infantil é de 172, em cada mil crianças, o que assinalará certamente a pior taxa de mortalidade do mundo. Ali morre-se vítima de malária, e desinteria mais do que pela SIDA que, ainda assim, regista mais de 13% de seropositivos, contra os 6% do resto do Uganda. Perante esta realidade, surge uma indefinição: estamos perante campos de exilados, tal como o define o governo, ou campos de extermínio? Uma coisa é certa, a etnia Acoli não tem muitos admiradores no resto do Uganda. Há antigos ódios tribais e recentes rancores que remontam à ditadura de Idi Amin e ao golpe de estado de Museveni. Extermínio ou genocídio? Para as eleições de hoje no Uganda, foram muitos os manifestos eleitorais, e todos os candidatos em Gulu prometem a reentrada dos desalojados mas, depois de 10 anos de aprisionamento, a crença de uma libertação, que ainda poderia existir, desapareceu. Estamos perante uma situação de “genocídio”, acusa à ONU Olara Otunnu. Porém, o bispo da cidade ugandesa, Lira, tem uma visão diferente. “Genocídio significa desejo determinado de eliminação de um povo”. Para D. Giuseppe Franzelli, “o que acontece nos campos do Norte do Uganda é um extermínio. Aqui vemos em acção um processo de destruição da pessoa: gente que trabalhava e mandava os seus filhos à escola, agora constrangida a não fazer nada e sem perspectivas. Será que nos podemos admirar se em tal desespero proliferam os abusos sexuais, a violência e a SIDA?”, pergunta este bispo. Esta gente tem, quase sempre, tendência para o suicídio”, sublinha. Para tal acto suicida não é difícil a sua concretização. Os mais engenhosos chegam a conseguir extrair das plantas substâncias venenosas, e as razões que muitas vezes levam a esse extremo, não são fáceis de perceber. “Fazem-no os jovens porque não tem esperança e as viúvas porque não sabem como alimentar os filhos”, explica um jovem sacerdote daquele lugar. “Sei de um homicídio de uma criança de seis anos por causa de um litígio mesquinho entre famílias”, relata o sacerdote. Em cada um destes campos há uma corporação de soldados que deveria proteger estes exilados mas, em vez disso, esses são temidos pelas raparigas Acoli. A organização humanitária Human Rigths Watch tem recolhido vários testemunhos de violência por parte dos soldados. Após as eleições será que tudo vai continuar na mesma?


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