Diversidade religiosa no país é mais um desafio para o futuro iraquiano
A Irmã Teresa Hanna, Madre Geral das Dominicanas no Iraque, assegura que “o medo reina nas ruas do país”.
“Vive-se um clima de grande insegurança, não se pode andar pelas ruas”, referiu a religiosa, que recentemente esteve em Caleruega, Espanha, num encontro de Superioras Gerais Dominicanas de todo o mundo.
As Dominicanas no Iraque são 150, além de 14 candidatas em formação inicial. A casa onde se encontravam as Irmãs em formação já foi bombardeada, bem como um orfanato que as religiosas administram, em Bagdad.
Com uma taxa de desemprego que ronda os 60% e uma crescente falta de alimentos, o povo iraquiano tem de ainda fazer face à falta de electricidade, água, comunicações, etc. Poucos ousam negar que a situação está pior do que estava antes.
A este abatimento generalizado, junta-se o choque provocado pelas imagens das torturas praticadas pelos militares norte-americanos sobre prisioneiros iraquianos.
Os líderes cristãos presentes no Iraque têm manifestado o receio de que o país se torne incontrolável no futuro. Um bispo do Patriarcado caldeu do Iraque pediu que as tropas internacionais não abandonem o país, pois a segurança no Iraque “ficaria irremediavelmente comprometida”.
Panorama religioso no Iraque
A presença cristã nesta parte do mundo, que vai do Iraque até a Índia, é muito antiga e decorre da pregação do Apóstolo Tomé, que depois da morte e da Ressurreição de Jesus, partiu de Jerusalém e evangelizou, nos anos 42-49, todas as populações do Oriente Médio.
Os cristãos de hoje descendem das populações que não se converteram ao Islamismo no século VII, nos tempos da conquista árabe.
70% dos cristãos iraquianos pertence à Igreja Caldeia. No total, os cristãos são cerca de 800 mil, ou seja, cerca de 3% da população. Subdividem-se em católicos e ortodoxos. As comunidades católicas no Iraque são de quatro ritos:
Caldeus
O s católicos caldeus formam uma igreja autónoma, que permanece fiel ao Papa, e constituem a grande maioria entre os cristãos locais. A sede do Patriarcado está em Bagdad.
Na liturgia Caldeia, a língua oficial é o aramaico, língua litúrgica, teológica e clássica do Cristianismo de tradição semítica.
Os cristãos de rito caldeu no Iraque são mais de 700 mil, e um igual número encontra-se espalhado pelo mundo.
Sírio-antioquenos
São uma comunidade de cerca de 75 mil fiéis, divididos em duas dioceses entre Bagdad e Mosul. O Bispo de Bagdad é D. Athanase Matti Shaba Matoka, enquanto D. Basile Georges Casmoussa lidera a comunidade de Mosul. Depois da missão dos Jesuítas e dos Franciscanos Capuchinhos, iniciada em Aleppo (Síria) em 1626, uma parte da Igreja sírio-antioquena, chamada “Jacobita”, decidiu unir-se à Igreja de Roma, formando assim a Igreja sírio-antioquena católica, que manteve toda a herança patrística e litúrgica.
Arménios
As comunidades arménias presentes no Iraque provêm da imigração e das deportações forçadas das populações arménias, ocorridas em 1915, em seguida aos massacres ordenados pelo regime de Giovanni Turchi.
A Igreja arménia inspira-se na figura de São Gregório, o Iluminador, que cristianizou a Arménia no século III. Divide-se entre ortodoxos (ou Apostólicos) e católicos.
A pequena comunidade católica arménia presente no Iraque (2 mil pessoas) é liderada pelo administrador patriarcal, D. Andon Atamian.
Antes dos anos 90, os arménios (católicos e apostólicos) no Iraque eram de 20 a 30 mil. Na última década, a comunidade reduziu-se muito em função da marginalização e da pobreza.
Latinos
O líder da pequena comunidade católica de rito latino - 2.500 pessoas, presentes na sua maioria em Bagdad - é o Arcebispo Jean Benjamin Sleiman.
Xiitas
Das formações xiitas mais relevantes, o movimento Daawa, fundado em 1950, é o mais antigo movimento islâmico do Iraque. Depois de ter vários dos seus líderes assassinados na época de Saddam, foi dissolvido e suprimido, levando muitos xiitas à clandestinidade. Liderado pelo xeque Mohaammed Nasseri, retornado do exílio ao Irão depois da guerra, o movimento Daawa possui dois membros no Conselho governamental iraquiano.
Outro movimento xiita que emergiu no último ano é o Conselho Supremo da Revolução no Iraque (Sciri). O seu líder, Muhammad Baqr al-Hakim, foi morto num atentado em Najaf, em Agosto de 2003. Antes da sua morte, ofereceu apoio ao Conselho governamental iraquiano, legitimando-o junto à comunidade xiita. No seu lugar, como líder, está agora o seu irmão, Abdel Aziz, que mantém relações muito estreitas com o Irão, e que obteve para o seu movimento uma cadeira no Conselho governamental. O Sciri conta com um braço armado, conhecido como Brigadas Badr, composto por cerca de 10.000 homens.
Um dos grupos xiitas mais radicais é o liderado por Moqtada al Sadr, 32 anos, filho de um líder xiita assassinado nos anos da ditadura. Sadr, que se opõe à liderança xiita tradicional, estabeleceu sua base na cidade de Najaf, e opõe-se firmemente ao que define como“ocupação americana”.
O líder espiritual xiita mais importante no Iraque é Ali Al Sistani, 78 anos, um dos mais moderados em relação às forças de coligação. Al Sistani passou muitos anos preso, por ter recusado o exílio. Segundo numerosos observadores, Al Sistani mantém uma posição “de espera”: não quer entrar em conflito com a administração norte-americana, que libertou o país da ditadura de Saddam, mas aguarda a passagem do poder para usar a influência da consistência numérica da comunidade xiita no novo cenário iraquiano, através de um governo nacional, legitimamente eleito.
Sunitas
Entre os sunitas, emergiu o grupo ligado a Mohsen Abdel Hamid, teólogo islâmico, membro do Conselho governamental iraquiano. Hamid lidera o Partido Islâmico do Iraque, que pertence à facção dos irmãos Muçulmanos. A sua posição moderada contrasta com a de Ahmad el Kebeisey, professor de Estudos Islâmicos na Universidade de Bagdad, um dos expoentes da oração de Sexta-feira na mesquita de Abi Hanifa, no distrito sunita de Bagdad. Várias vezes, o imã incitou ao ódio anti-americano e manifestações de protesto contra as forças da coligação.
O perdurar dos combates e sequestros deu relevo a novos actores no cenário iraquiano. Entre estes, a Associação do Clero Sunita, que se destacou quando ajudou a alcançar a frágil trégua entre rebeldes sunitas e as tropas americanas na cidade de Fallujah, e por ter contribuído para a libertação dos sete chineses sequestrados e mantidos em cativeiro por alguns dias. O xeque Harith al Dhari, um dos líderes do movimento, explicou que “a organização é religiosa, mas também política e social, e age no interesse do país”.
Curdos
Divididos basicamente em duas facções, os curdos, maioritariamente sunitas, esperam poder participar no governo do país, não obstante as rivalidades internas existentes entre seus dois grupos: o Partido Democrático do Curdistão (PDK), liderado por Massoud Barzani, e a União Patriótica do Curdistão (PUK), guiado por Jalal Talabani. Ambos estão no Conselho governamental iraquiano e dispõem de uma força militar autónoma, formada por guerrilheiros peshmerga.
As populações curdas, deslocadas no Nordeste do Iraque, contam cerca de 4 milhões de pessoas convertidas ao islamismo sunita depois da ocupação do Curdistão pelo exército islâmico, na primeira metade do século VII.
Por causa das suas aspirações à autonomia, os curdos foram perseguidos pelo regime de Saddam Hussein. Depois da instituição da “no fly zone”, estabelecida pela ONU em 1991, o Curdistão iraquiano ficou sob protecção internacional e os curdos conseguiram obter uma certa autonomia.
Assírios
Os cristãos Assírios recomeçaram a esperar viver sua especificidade religiosa e cultural depois da queda de Saddam. Um de seus representantes, Younadem Kana, é o único cristão presente no Conselho governamental. A comunidade segue a Igreja Assíria do Oriente, e é muito próxima à Igreja Católica Caldeia, também oriunda da pregação de São Tomé, no século I.
A Igreja Assíria do Oriente é uma Igreja autónoma, que não está em comunhão com Roma nem com as Igrejas ortodoxas. Tem origem na evangelização de dois discípulos do Apóstolo Tomás, Mar Addai e Mar Mari e difundiu-se com o surgimento de comunidades e mosteiros em todo o território oriental, na área que parte da actual Síria e se estende até o Iraque e o Irão.
Esta Igreja, chamada Igreja Assíria do Oriente, obteve autonomia com os Concílios de Seleucia, em 410, e Markbata, em 424, com a possibilidade de eleição do Patriarca, com o título de “Catholicos”.
Actualmente, uma comunidade de cerca de 70 mil Assírios vive no Norte do Iraque, onde conserva sua própria identidade cultural, linguística e religiosa.
Fonte: Agência Fides