Vaticano

Filhos do vento

Octávio Carmo
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A Igreja e os Ciganos

A Santa Sé acaba de apresentar as "Orientações para uma Pastoral dos Ciganos", dando assim mais um passo decisivo nas relações entre a Igreja Católica e estas populações. O grupo étnico comummente designado por "Ciganos" é uma categoria de nómadas que iniciou a sua peregrinação, há quase mil anos, desde o Noroeste da Ãndia, estabelecendo-se, progressivamente, no Médio Oriente, na Rússia meridional e na península balcânica. Por volta do século XV chegam à Europa ocidental. Apesar de viverem, há tantos séculos, no meio de populações sedentárias, os Ciganos conservaram, na sustância, a sua identidade, marcada pelo nomadismo e pela capacidade de se afastarem de lugares e coisas. Esta diversidade foi sempre considerada com uma conotação negativa e a sua história está marcada por perseguições, particularmente dramáticas durante o regime nazi. Os Ciganos sempre demonstraram um vivo sentido do sagrado, como o demonstram as suas tradições religiosas. A Igreja, contudo, nem sempre conseguiu disponi-bilizar, número suficiente de sacerdotes e agentes pastorais para a sua formação - estas comunidades acabam por ser um terreno privilegiado para a acção de muitas seitas. A fé deste povo acaba por encontrar um símbolo de referência na figura de Zeferino Giménez Malla, um cigano espanhol beatificado no dia 4 de Maio de 1997. Este beato viveu como verdadeiro católico e verdadeiro nómada, tendo morrido como mártir, em Agosto de 1936, durante a Guerra Civil Espanhola. A dimensão itinerante da vida dos Ciganos é, para a Igreja, um testemunho de liberdade interior perante o fenómeno do consumismo na sociedade moderna, lembrando que a nossa vida é uma peregrinação contínua rumo a uma outra Pátria, a celeste. Com o seu estilo de vida, os Ciganos representam uma contestação viva, mesmo que inconsciente, no confronto com uma religião fria, racionalista e demasiado ligada ao legalismo. A partir da segunda metade do século passado houve, por parte da Igreja, uma aproximação progressiva aos Ciganos, tendo início em alguns Países uma pastoral específica em favor desta população. O Concílio Vaticano II exortou os Bispos para que tivessem "um interesse particular por aqueles fiéis que, devido às suas condições de vida, não podem usufruir de forma suficiente do cuidado pastoral comum e ordinário dos Párocos, ou que dele são totalmente privados", e entre estes fiéis incluem-se também "os nómadas" (CD 18). O encontro com o Papa Paulo VI, por ocasião da primeira peregrinação internacional de Ciganos a Roma (26.09.1965), constitui mesmo uma etapa decisiva nesta história entre a Igreja e os Ciganos. Paulo VI lembrou que este povo estava "no coração da Igreja". João Paulo II, em 1989, exortou todos os homens a acolher os Ciganos como irmãos, lembrando que "muitas vezes eles são olhados com desprezo ou criticados". Tudo isto deveria ter como consequência uma solicitude específica da Igreja para com esta população. A ideia de preparar um documento orientador para esta pastoral surgiu em 1999, ainda que as novas Orientações recolham a experiência destes últimos 40 anos, pois a Santa Sé oferece uma atenção pastoral aos ciganos desde 1965, através do então designado Secretário Internacional do Apostolado dos Nómadas. Em 1988, João Paulo II criou o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes. As Orientações da Santa Sé apelam a uma mudança de fundo na relação da Igreja e das suas estruturas, com este povo. No texto, elaborado pelo Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itine-rantes, pede-se perdão pelos erros cometidos na relação com os ciganos, defendendo a superação dos preconceitos, das desconfianças e das atitudes de rejeição contra estas populações, de modo a favorecer a sua integração na sociedade. Para a Igreja, como refere este documento, o acolhimento dos Ciganos representa certamente um desafio. A sua presença, difundida por quase toda a parte, é um apelo constante a viver com fé a peregrinação terrena, a realizar a caridade e a comunhão, superando todas as indiferenças e a animosidade no que lhes diz respeito.


Pastoral dos Ciganos