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Igreja Católica prepara angolanos para as próximas eleições

Agência Ecclesia
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II Congresso Pro Pace fala nos Construtores de Democracia

A Igreja Católica em Angola está a promover, desde ontem, o II Congresso Pro Pace, sob o lema “Construtores de Democracia”, tendo como pano de fundo a preparação das próximas eleições no país. “O objectivo é preparar um ambiente de confiança para as eleições e também para que as eleições se realizem de uma forma transparente, sem dar ocasião à desconfiança e à contestação” afirmou ao jornal ‘Apostolado’ o presidente do Movimento Pro Pace, D. Francisco da Mata Mourisca. O bispo do Uíje lembra que em África as eleições são muitas vezes consideradas como injustas: “eu costumo dizer que quando isso acontece há sempre injustiça. Porque se de facto faltou liberdade, ou faltou justiça nas eleições, é evidente que foram injustas, mas se realmente foram justas e livres, então é injusta a acusação. E temos de evitar isso, para evitar o risco de qualquer violência.” Por outro lado, D. Francisco da Mata Mourisco alerta para o facto de o povo ainda não ter esquecido a experiência de 1992 e em consequência haver o risco de um grande absentismo. “Para que isso não aconteça, é bom inspirar confiança ao povo, educá-lo para as eleições, numa caminhada democrática. E é neste clima que se insere o congresso”, assegura. “Temos de reconhecer que a democracia ainda é uma donzelazinha, linda e simpática, por certo, mas frágil e delicada de saúde, pois nasceu a ferros e ainda se não refez dos traumatismos que sofreu no seu doloroso nascimento”, acrescentou no primeiro dia de trabalhos. Ao longo de quatro dias, serão abordados temas como “Democracia e sua história”, “Direitos Humanos e Democracia”, “Eleições e Democracia”, “Alternância de Poder e Democracia”, “Oposição e Democracia”, “Liberdade de Imprensa e Democracia” ou “Cidadania e Democracia”. O Congresso tem lugar no Auditório da Universidade Católica, em Luanda, e termina no Domingo com uma Eucaristia no Pavilhão da Cidadela Desportiva presidida pelo Cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. Na mensagem de abertura, o Cardeal Alexandre do Nascimento referiu-se com optimismo ao novo cenário do país dizendo que “as coisas estão a correr melhor em Angola”. O Movimento Pro Pace pretende que este congresso se repita depois, ainda que a uma escala menor, nas diferentes províncias do país, para que a mensagem chegue a toda a população. Angola pode acreditar O antigo primeiro ministro de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, foi o orador principal do primeiro dia Congresso. Aos presentes, afirmou a sua convicção de que “Angola tem condições para, dentro de 10 anos, fazer parte do grupo de países mais desenvolvidos de África". Cavaco Silva apresentou o tema “Democracia e Desenvolvimento”, expondo as razões que tornam os regimes democráticos mais favoráveis ao desenvolvimento. “A vigilância, a fiscalização e a pressão que o parlamento, os partidos da oposição, a comunicação social exercem sobre o Governo fazem com que as suas decisões sejam correctas, mais justas e mais adequadas ao interesse nacional e seja menor a tendência para a acomodação dos governantes ao status quo e para o adiamento das reformas indispensáveis ao desenvolvimento”, explicou. Neste sentido, realçou o papel da comunicação social num regime democrático: “os angolanos, como outros povos de África e da América Latina, só têm a ganhar com uma comunicação social independente, firme na denúncia das ilegalidades cometidas pelos políticos e que evidenciam os problemas que ao estado democrático compete resolver. A responsabilização dos políticos pelo que fazem e pelo que não fazem é um princípio fundamental da democracia pluralista.” O antigo primeiro-ministro português lembrou ainda que “o funcionamento das instituições democráticas é um travão ao desenvolvimento da corrupção e dos negócios ilegais” e também é mais difícil “encaminhar para as forças armadas um volume de recursos excessivo, desproporcionado face às necessidades de defesa, quando as populações enfrentam carências gritantes em matéria de alimentação, água potável, saneamento básico, educação, cuidados primários de saúde e habitação”. Em terceiro lugar, frisou, a existência de um sistema judiciário independente “garante a aplicação da lei, o respeito dos direitos de propriedade e o cumprimento dos contratos e reduz assim o nível de incerteza dos agentes económicos, aumenta a transparência nos negócios e favorece um clima de confiança sem o qual as empresas não se desenvolvem, os projectos de desenvolvimentos não se concretizam e não se criam novos empregos.” Por fim, recordou que a ausência de democracia “atrofia a sociedade civil, incentiva os negócios ilegais e atrai as empresas para os lucros fáceis e especulativos em prejuízo das actividades produtivas em prejuízo do desenvolvimento do pais”. Movimento Pro Pace O Movimento Pro Pace surgiu em Angola em 2000, presidido pelo Bispo do Uíje, D. Francisco da Mata Mourisca, e realizou nesse mesmo ano um Congresso, que terminou com um apelo para o cessar-fogo entre a UNITA e o MPLA, apontando o diálogo como a via para o fim do conflito. Actualmente o Movimento tem em curso acções de formação em todo o país, tendo em vista a criação de uma "rede de conciliadores", a que D. Francisco chama “bombeiros da paz”, que têm como missão evitar conflitos no retorno dos militares que vieram da guerra. Na diocese do Uíje já foram formados mais de 200 conciliadores que estão a desempenhar a sua missão nas respectivas aldeias e comunas. “Sabemos que muita gente pode ter a tentação da vingança, e para que isso não acontecesse, nós criamos uma rede de conciliadores, principalmente através dos catequistas e dos pastores”, explica ao jornal Apostolado. O Bispo do Uíje considera que a maior dificuldade na preparação das próximas eleições reside no acesso às populações. “As eleições, para serem livres e justas, devem ser esclarecidas, e para esclarecer o povo é preciso que haja possibilidade de acesso”, assegura. As estradas, porém, estão horríveis, e o acesso à informação é diminuto. “A solução é abrir a porta a uma comunicação social democrática e aberta”, defende D. Francisco da Mata Mourisca. Presença do Vaticano O Cardeal Renato Martino, Presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, estará em Angola a partir da próxima sexta-feira para participar no Congresso e terá igualmente um encontro com a Assembleia da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST). Logo na sexta-feira terá uma audiência com o ministro das relações exteriores de Angola e um encontro com os responsáveis das comissões Diocesanas de Justiça e Paz. No sábado vai dirigir uma mensagem ao Congresso Pro Pace e no Domingo preside a uma Missa Solene na Cidadela Desportiva por ocasião do “Dia da Reconciliação”. Na segunda-feira, terá um encontro com o episcopado de Angola e S. Tomé, que estará reunido em Assembleia Plenária. No mesmo dia vai ser recebido em audiência pelo Presidente da República e pelo Presidente da Assembleia Nacional. O Cardeal Renato Martino regressa a Roma na terça-feira e durante a sua estadia na capital angolana visitará ainda duas obras sociais da Igreja Católica. Cabinda O vice-presidente da CEAST, D. Gabriel Bilingue, considerou ontem “incompreensível” a contestação que alguns sectores de Cabinda têm feito à nomeação do novo bispo para aquela diocese. “Em termos eclesiásticos, esta atitude é incompreensível. Basta fazer uma reflexão simples. Se em Luanda está um arcebispo que é de Cabinda (D. Damião Franklim), não há razão para que em Cabinda não possa estar um bispo que é de Luanda”, afirmou D. Gabriel Bilingue na conferência de imprensa destinada a anunciar a visita a Angola do presidente do Cardeal Renato Martino. O bispo do Moxico reagia à contestação que alguns sectores do enclave têm feito à recente nomeação de D. Filomeno Vieira Lopes como Bispo de Cabinda, em substituição de D. Paulino Madeca. O vice-presidente da CEAST frisou que a contestação não tem vindo do povo de Cabinda, mas de “algumas pessoas que têm os seus objectivos e que pretendem arrastar consigo o maior número de gente possível para que a sua causa apareça como uma causa nobre”. Relativamente à situação no enclave, situado no norte de Angola, o vice-presidente da CEAST salientou que a Igreja Católica não está à margem dos problemas, mas frisou que o diálogo é a única via para se alcançar a paz. “Não conhecemos outro caminho se não o diálogo e a nossa participação é sempre a esse nível”, afirmou o bispo angolano, salientando que o problema de Cabinda “é delicado”. Por essa razão, defendeu a necessidade de se encontrarem soluções que permitam que o povo de Cabinda possa exercer plenamente o seu direito de voto nas próximas eleições angolanas, previstas para 2006. Na conferência de imprensa, D. Francisco da Mata Mourisca abordou também a questão da expansão da Rádio Ecclesia a todo o território angolano. A emissora católica angolana emite apenas em Luanda, aguardando há vários anos autorização para alargar a sua emissão a todo o país. “O diálogo está em curso para que possa ser encontrada uma saída”, afirmou D. Francisco, recordando que o Papa João Paulo II fez recentemente “um apelo a todos os bispos do mundo para que utilizem a comunicação social na evangelização”. “Na minha diocese, sinto essa necessidade. Há situações que exigem uma educação do povo, o que tem que passar pela rádio”, afirmou. O Apostolado


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