Vaticano

Já não vos pertenceis

Elias Couto
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Intenção Geral de Oração do Papa para o mês de Abril.

Que, deixando-se iluminar e guiar pelo Espírito Santo, os cristãos respondam com entu-siasmo e fidelidade ao chamamento universal à santidade. [Intenção Geral do Santo Padre para o mês de Abril] 1. Descobrir o Espírito. Raramente, nestes textos, faço apelo a vivências próprias. Neste caso, porém, não resisto a salientar a importância que vem tendo, para mim, a descober-ta, na oração, do Espírito Santo. Na verdade, uma coisa é conhecer a doutrina cristã sobre a Santíssima Trindade, outra bem diferente é começar a entender S. Paulo quando afirma: «Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, porque O recebestes de Deus, e que vós já não vos pertenceis?» (1 Coríntios 6, 19). Esta descoberta é tarefa para uma vida – e é custosa, porque aquilo do «já não vos pertenceis» vai contra todas as preten-sões humanas de senhorio e dominação; mas é também profundamente libertadora, porque, em Deus, «não se pertencer» é ser livre até de si próprio, para ser só d’Ele e, n’Ele, dos outros. 2. Iluminados e guiados pelo Espírito. Para se começar a entender isto, só há um caminho: deixar-se iluminar e guiar pelo Espírito, isto é, encontrar o lugar do Espírito Santo na vida de fé, começar, na oração, uma relação pessoal com Ele e ir deixando-O tomar conta do nosso quotidiano – devagarinho, como só Ele sabe, sem pedir aquilo que ainda não esta-mos preparados para dar, mesmo e sobretudo quando pede algo custoso... Só assim será pos-sível vir a uma relação pessoal com cada Pessoa da Santíssima Trindade e, por fim, com Deus como Ele é: Amor pessoal, Amor de Pessoas. Quando se «descobre» o Espírito Santo, Deus revela-Se verdadeiramente Pai, Jesus torna-Se Irmão companheiro do quotidiano e Senhor das pequenas e das grandes coisas, a Igreja mostra-se em toda a sua beleza de comunidade, mesmo se traz no seu corpo as marcas do pecado... E o Espírito dá sentido, unifica, anima tudo quanto se faz com a dimensão da eternidade. 3. Responder ao chamamento do Espírito. Não se pode ser templo do Espírito Santo e não se ser chamado à santidade. Não é uma questão de «querer» ser santo – pois a santidade não é uma conquista, levada a cabo à força de músculos ou golpes de engenho pes-soal. É-se «chamado» por esse Espírito que, «com gemidos inefáveis» (Romanos 8, 26), cla-ma em cada crente: «Abba, Pai» (cf. Gálatas 4, 6). Sem este grito do Espírito no mais íntimo do crente, clamor tantas vezes ignorado pelo próprio, nenhuma santidade é possível – porque este é o grito da conversão, o grito do pródigo ansiando pela casa do Pai. E só o pecador consciente do seu pecado escava suficientemente em si para libertar as profundidades de onde se eleva o clamor inefável do Espírito – esse grito humanamente indizível, capaz de libertar o coração do homem e rasgar o coração de Deus, fazendo-O derramar-Se em torrentes de mise-ricórdia e perdão. Eis por que o chamamento à santidade feito a cada crente é, em primeiro lugar, um apelo à misericórdia de Deus – apelo sempre atendido, mas nem sempre correspon-dido. 4. Responder com entusiasmo e fidelidade. Sepultado sob os escombros de um quotidiano opaco e descrente, o Espírito «clama» continuamente «com gemidos inefáveis» – Deus já nos encontrou há muito, mas nós resistimos a deixar-nos alcançar por Ele. O grito do Espírito, porém, só precisa de uma frestazinha, um pequeno nada, para irromper. Então, o entusiasmo depressa afastará os escombros que sobrecarregam os dias e impedem a fidelida-de; e esta ganhará a frescura da manhã de Páscoa, quando tudo é novo e intocado, como da primeira vez, quando «Deus passeava no jardim» pela brisa da tarde (cf. Génesis 3, 8). Nesse pequeno intervalo, o Espírito terá tempo para inundar toda a sala e a sua luz afastará as trevas de quem já se via expulso da «paz do sábado que não entardece» (Santo Agostinho, Confis-sões, 13) – e aí, nesse impulso de entusiasmo, fruto do Espírito, a santidade pode começar a acontecer. 5. Santos, hoje. A santidade não é coisa pouca. Precisa, no entanto, de pouca coisa da nossa parte. Há quem, olhando para as solicitações do presente e as ameaças do futuro, a julgue tarefa impossível – porque a vê como tarefa sua e sente a impossibilidade de levar tal empreendimento adiante. Descobrir o Espírito Santo e iniciar uma relação pessoal com Ele inverte os dados do problema, pois a tarefa revela-se de Deus. Ao crente cabe-lhe deixar bro-tar no seu íntimo o grito do Espírito. Se o fizer, entrará numa luta sem tréguas – consigo e com o mundo; mas quem batalha é o Espírito Santo nele, com «gemidos inefáveis». Enquanto assim for, só poderá haver um vencedor. E será possível ser santo, hoje. Elias Couto


Bento XVI