O Patriarca Caldeu de Bagdad, Emmanuel III Dely, e outros líderes religiosos cristãos têm recebido ameaças de morte anónimas. O clero iraquiano informou também que, desde os ataques de 1 de Agosto contra igrejas cristãs, são cada vez mais as pessoas que procuram sair do país.
O Bispo Auxiliar de Bagdad, D. Andraos Abouna, informou a Fundação “Ajuda à Igreja que Sofre” (AIS) que o Patriarca recebeu cartas anónimas ameaçando-o de morte e acusando a Igreja de colaborar com a coligação internacional liderada pelos Estados Unidos.
D. Andraos Abouna esteve até ontem em Londres, ao serviço da comunidade caldeia em Inglaterra, da qual é capelão, mas regressou de urgência a Bagdad a pedido do Patriarca. “O Patriarca considera que neste momento a situação é muito séria. Sente-se muito sozinho e não existe ninguém para ajudar”, afirmou o Bispo Auxiliar.
Uma semana após os atentados contra 8 igrejas cristãs no Iraque notou-se uma diminuição de 30% nos fieis que assistiram à missa do passado Domingo. Segundo informações do clero iraquiano, verifica-se também um acréscimo de pessoas que tentam emigrar, através da Síria e da Jordânia, esperando juntar-se aos familiares e amigos no Ocidente.
Antes da sua partida para o Iraque D. Andraos Abouna declarou que em Bagdad a sua primeira tarefa será visitar os cristãos: “Eu vou regressar para os encorajar. Queremos dizer-lhes para não desistirem”.
Outra das prioridades do prelado será o restabelecimento da energia eléctrica que servia as comunidades cristãs na capital, uma vez que os geradores do Seminário-Maior de S. Pedro e da Igreja de S. Pedro e S. Paulo foram destruídos pelas explosões. Os atentados bombistas deixaram ainda metade do edifício do seminário em ruínas. Outras igrejas cristãs em Bagdad e Mossul sofreram importantes danos estruturais.
Dirigindo um apelo ao Ocidente, o Bispo Auxiliar disse: “Neste momento precisamos das vossas orações. Os católicos no Iraque têm uma grande devoção por Nossa Senhora e seria óptimo saberem que vocês estão unidos a eles em oração”.
Atentados causaram apreensão entre os cristãos
Uma religiosa iraquiana escreveu à “Ajuda à Igreja que Sofre” sobre os seus receios pela sobrevivência da Igreja e da comunidade cristã após os atentados suicidas de 1 de Agosto.
A Irmã Lusia tinha por hábito assistir à missa da tarde na Igreja de S. Pedro e S. Paulo, na zona sul de Bagdad. No dia 1 de Agosto a religiosa quebrou esse costume e foi assistir à missa da manhã nessa mesma igreja. Durante a tarde 8 igrejas cristãs foram alvo de atentados à bomba, entre as quais a Igreja de S. Pedro e S. Paulo. As explosões causaram mais de 50 mortos e duas centenas de feridos.
“Estou viva graças à Providência Divina… mais uma vez sinto que Deus utilizou-me para o bem do Seu povo”, escreve a Irmã Lusia.
Em relação aos atentados a religiosa descreve que os cristãos iraquianos “estão ainda em estado de choque” e que actualmente têm ainda mais receio “porque não imaginávamos que uma coisa pudesse acontecer… e, acima de tudo, dentro das próprias igrejas”.
“Faltam-me as palavras e não tenho forças para escrever mais sobre a nossa tristeza… estou com as outras irmãs e isso ajuda-me bastante”, escreve a religiosa no final da sua mensagem, pedindo orações pelo fim do sofrimento dos cristãos no Iraque.
Nos últimos 20 anos o número de cristãos do rito caldeu diminuiu um terço no Iraque. Após os últimos atentados, os bispos iraquianos temem que se verifique um novo êxodo entre os cerca de 600 mil cristãos caldeus que se mantém no Iraque.
O rito caldeu é um dos principais ritos do cristianismo oriental que se desenvolveu antes da conquista árabe, entre os séculos IV e VII. As celebrações no rito caldeu são feitas em aramaico, a língua falada por Jesus Cristo, e procuram ser fiéis às celebrações do tempo dos primeiros apóstolos.
David Silva
Departamento de Informação da Fundação Ajuda à Igreja que SofreCristãos no Iraque
A população cristã no Iraque, com perto de 750 mil pessoas, tem manifestado preocupação com o crescente fundamentalismo islâmico e algumas pessoas têm fugido para os países vizinhos até que a situação política e de segurança mostre sinais de tranquilidade.
“Os cristãos não querem a guerra e o conflito no Iraque nunca poderá ser entendido como um confronto de religiões”. As palavras são clara e pertencem ao D. Jean Benjamin Sleiman, Arcebispo de Rito Latino, de Bagdade.
A maioria dos cristãos no país são católicos de rito caldeu: n mesmo local onde nasceu Abraão há uma Igreja autónoma, em comunhão com Roma, possuidora de ritos litúrgicos próprios: a Igreja Patriarcal Católica Caldeia tem cerca de um milhão de fiéis em todo o mundo e perto de metade desses fiéis encontra-se no Iraque, onde está a sede do Patriarcado dos caldeus.
A Igreja Caldeia é uma das mais respeitadas e livres do mundo árabe. Sendo uma minoria neste país (3%) a importância histórica e sentimental destas comunidades que ainda hoje celebram em aramaico, a língua de Jesus, nunca foi menosprezada.
O Apóstolo Tomé, antes de seguir o seu caminho até à Índia, terá deixado na região dois discípulos, Mar Addai e Mar Mari. Da sua pregação nasceu uma Igreja que, nos primeiros séculos do cristianismo, demonstrou uma enorme vitalidade e se espalhou nas regiões que hoje são a Síria, o Irão e o Iraque.
Estas comunidades representam umas das mais antigas comunidades cristãs do Oriente, remontando ao século II. As suas raízes cristãs são testemunhadas por mosteiros e conventos nos séculos V e VI.
Esta Igreja, chamada Igreja Assíria do Oriente, obteve a autonomia no concílio de Markbata, em 492, com a possibilidade de eleger um Patriarca com o título de “Católico”.
O fulgor inicial foi-se desvanecendo e já no século XV confronta-se com uma grave crise, originada por uma sucessão hereditária de Patriarcas, como se de uma monarquia se tratasse. A reacção a este estado de coisas levou a que um grupo de Bispos Sírios se empenhasse na recuperação da tradição monástica oriental, elegendo o monge Yuhannan Sulaka como seu Patriarca e enviando-o a Roma para pedir o reconhecimento do Papa.
Foi assim que, em 1553, o Papa Júlio III nomeou o “Patriarca dos Caldeus” e deu origem, oficialmente, à Igreja Caldeia. Durante mais de 200 anos existiram tensões nesta zona entre as comunidades a favor ou contra o reconhecimento da universalidade da Igreja de Roma e a situação só estabilizou quando em 1830 o Papa Pio VIII nomeou o “Patriarca da Babilónia dos Caldeus” como chefe de todos os católicos caldeus.
A sede deste Patriarcado era Mosul, no norte do Iraque, e seria transferida para Bagdad em 1950, após a II Guerra Mundial.
O rito Caldeu é um dos 5 principais ritos do cristianismo oriental e desenvolveu-se entre os séculos IV e VII, antes da conquista árabe. A denominação de “caldeu” prevalece no Ocidente desde o séc. XVII, embora os habitantes da região prefiram a designação “siro-oriental”.
As celebrações conservam o uso do aramaico e possuem gestos, espaços e ritmos muito especiais, que remontam ao tempo dos primeiros apóstolos, em alguns casos. Escutar a Palavra de Deus, celebrar o mistério do Corpo e Sangue de Jesus e participar no banquete do pão e do vinho são as traves-mestras da celebração eucarística.