Vaticano

Olhar o mundo como dom de Deus

Elias Couto
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Intenção Geral de Bento XVI para o mês de Agosto

Que a família humana saiba respeitar o plano do Criador sobre o mundo e seja cada vez mais consciente do grande dom de Deus que é a criação 1. Criação, dom de Deus O modo cristão de olhar o mundo, partilhado com outras religiões, não dispensa este princípio: tudo é, em última instância, dom gratuito de Deus. Há outros modos de olhar o universo, modos materialistas, nos quais o conceito de criação não tem lugar – o universo é olhado como fruto de forças e acasos sem nenhum princípio explicativo. Mesmo assim, é possível encontrar preocupações comuns a crentes e ateus relativamente ao cuidado a ter com a natureza. Tais preocupações comuns dizem respeito, sobretudo, ao esforço por encontrar formas cada vez mais humanas de viver e ter acesso aos bens da terra sem destruir irremediavelmente a criação. 2. Sacralização da natureza As preocupações ecológicas fazem cada vez mais parte do nosso quotidiano – seja-se crente ou não. Há uma consciência cada vez mais clara de que a acção humana transforma a natureza, e nem sempre para melhor. Os «movimentos ecológicos» – e até os partidos políticos ecologistas – têm na sua origem, quase sempre, esta consciência da fragilidade da natureza e da necessidade de adoptar modelos de desenvolvimento mais respeitadores dos equilíbrios naturais. Há, porém, ideologias radicais que, em nome da natureza e sua defesa, se vêm revelando cada vez mais inimigas do homem. Tais ideologias, muito devedoras do materialismo actual, pseudo-científico, acabam deificando a natureza, considerando-a «sagrada», «intocável»... e, no mesmo passo, demonizam o homem e a sua acção sobre o mundo, vista sempre como má e prejudicial. Perde-se, deste modo, aquela concepção mais equilibrada segundo a qual o resultado da acção sensata do homem sobre a natureza é um gradual processo de humanização do mundo, que vai sendo transformado e tornado cada vez mais habitável. 3. Questões em aberto O ecologismo ideológico encontrou no «aquecimento global» e na utilização dos combustíveis fósseis o seu mais significativo campo de batalha. Aquele, atribuído exclusivamente à acção humana, passou de fenómeno climático a estudar e enfrentar, se possível e necessário, a ideologia de tipo totalitário, sem possibilidade de contradição – a desqualificação de quantos, no mundo científico, procuram explicar de modo diferente as complexidades climáticas actuais é o exemplo acabado deste totalitarismo. Mas não se fica por aqui. A subida global dos preços dos cereais, serve-lhe também para avançar noutros caminhos. Um dos mais promissores parece ser a tentativa de impor, de novo, o medo da sobrepopulação humana do planeta, que levaria a escassez crónica de alimentos e a fomes generalizadas. Daí até à promoção de políticas estatais de controlo demográfico com penalizações para as famílias numerosas... vai um passo pequeno que alguns começam a exigir. A carestia dos alimentos tem, evidentemente, muitas causas – entre elas, a promoção «ecológica» dos chamados biocombustíveis, feitos a partir de cereais. Não há, porém, argumentos sérios mostrando a impossibilidade de alimentar a população mundial com os recursos actuais. Infelizmente, isso não detém a lógica de quem olha os seres humanos como os maiores inimigos de uma natureza sacralizada, à qual muitos não se importariam de sacrificar o desenvolvimento dos povos. 4. Respeitar o plano do Criador Desde as origens, o homem está chamado a «dominar a terra» (cf. Génesis 1, 28). Este domínio significa a libertação do homem face a todos os «poderes» da natureza, pois esta não é uma divindade superior ao homem – logo, é princípio de liberdade do homem face a todas as outras coisas criadas e instaura a possibilidade de agir sobre a natureza, conhecendo-a e transformando-a. Não é, porém, um domínio isento de «cuidado», ou seja, como de senhor sem deveres nem contas a prestar. Mais do que senhorio sobre a criação, o domínio do homem é colaboração na obra de Deus criador – e a sua acção deve orientar-se no sentido de aprofundar a bondade da criação, proclamada também nas origens (cf. Génesis 1, 31). Eis, pois, como o cristão deve entender o plano de Deus sobre a criação: um projecto de aperfeiçoamento e humanização continuada, conduzindo a um mundo cada vez mais habitável e acolhedor para todos os filhos de Deus e todas as suas criaturas. Tal não se fará sem cansaço e sofrimento e apenas se realizará plenamente nos tempos escatológicos. Pode, no entanto, ser já antecipado, sempre que o homem cuida, agradecido, dos bens que lhe foram concedidos.


Bento XVI