Vaticano

Perdão da dívida pode evitar o estrangulamento financeiro dos países pobres

Além-Mar
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Os países ricos parecem, finalmente, interessar-se pela situação dos países pobres e em particular por África, o continente que tem ficado à margem do progresso económico e social. Surgiram recentemente estudos (como o de Jeffrey Sachs, a pedido da ONU) e propostas concretas que permitem alguma esperança. Não demasiada, porém: a experiência mostra que há muita retórica nestes gestos em favor dos subdesenvolvidos, nem sempre seguida de acções concretas. E, sobretudo, importa ter consciência de que a ajuda, só por si, pouco adianta, excepto em casos de emergência. Para saírem do subdesenvolvimento as nações pobres devem contar, antes de mais, consigo próprias. Por exemplo, precisam de governos decentes, que não sejam corruptos e não explorem os respectivos povos em seu proveito particular. A corrupção deu má imagem à ajuda ao desenvolvimento, que tem vindo a cair. De facto, boa parte dessa ajuda perdeu-se nas mãos de gente sem escrúpulos. Mas há formas de ajuda eficazes. A mais importante, a meu ver, é abrir o mercado dos ricos às importações provenientes dos países pobres, contrariando proteccionismos (e sabe-se como sindicatos e patrões se unem quando se trata de impedir a concorrência dos países pobres). Aliás, abrir o mercado é, em rigor, ajuda ao próprio país que a concretiza, embora possa ferir interesses sectoriais. Mas há outras modalidades de ajuda, que o G8 (o grupo dos oito países mais poderosos do mundo) deverá analisar em Julho. O perdão da dívida é um ponto a reter. Fala-se, até, de um perdão a 100 por cento aos países africanos mais endividados. Desde que usado com critério, caso a caso, e não induza a ideia de que a má gestão do dinheiro compensa, o perdão da dívida pode evitar o estrangulamento financeiro de que agora são vítimas vários países. Já me parece menos viável a proposta francesa de uma sobretaxa incidindo em gastos como viagens aéreas (inspirada na célebre «taxa Tobin») para financiar a ajuda ao desenvolvimento. Há, todavia, uma área onde a ajuda faz todo o sentido: a saúde e as condições sanitárias das populações. Em África, a necessidade desse auxílio é gritante – e não só por causa da sida, que dizima povos inteiros. A indústria farmacêutica insiste nas patentes, que encarecem os medicamentos. Insiste com razão: a investigação e o desenvolvimento de uma nova droga médica demoram por vezes décadas. Nenhuma empresa se abalançará a tal se não tiver a perspectiva de vir a ganhar algum dinheiro com esse investimento. Mas os países ricos podem e devem financiar mais generosamente a distribuição nos países pobres de medicamentos patenteados. Já se deram passos neste sentido e seria bom avançar mais, pois o primeiro e fundamental recurso de qualquer país – e, por maioria de razão, dos países pobres – está nas pessoas. O mais importante, porém, é a atitude perante a pobreza e o subdesenvolvimento. Há 40 anos, com a descolonização e o forte crescimento económico nas nações adiantadas, predominava o optimismo. Julgava-se que a miséria em breve seria vencida. Não foi, nem sequer nos países mais ricos. A decepção, a que se somou o fracasso do colectivismo como meio de desenvolvimento económico, conduziu a um alheamento face à pobreza. Esta passou a ser encarada com fatalismo: sempre existirá, nada há a fazer. Pelo contrário, a verdade é que há, como mostram as vitórias sobre a fome na China e na Índia. O problema é mais complexo do que se julgava há décadas, sem dúvida. Mas está aí mais uma razão para se estudar a questão do subdesenvolvimento e da ajuda, em vez de nos desinteressarmos dela. Ora o tema parece estar de novo na agenda dos políticos e também dos meios académicos. Esta nova atitude é uma boa notícia. Francisco Sarsfield Cabral, Além-Mar, nº 535


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