Cardeal Saraiva Martins lembra que a aclamação popular não implica a canonização
O Cardeal português D. José Saraiva Martins defendeu que o processo de canonização de João Paulo II deve seguir normas canónicas, pedindo que não se confunda a aclamação popular no dia do seu funeral com um processo oficial. No dia 8 de Abril, por ocasião da Missa exequial de João Paulo II, a multidão exclamou por diversas vezes "santo subito", santo depressa.
Um mês depois da morte do Papa Wojtyla, o prefeito da Congregação para as Causas do Santos respondeu aos jornalistas, em Roma, sobre a possibilidade deste processo ser acelerado, afirmando que “apenas posso recordar que, segundo as normas canónicas, é preciso esperar cinco anos após a morte”. D. José Saravia Martins falava à margem de uma conferência de imprensa para a apresentação da obra “Karol e os Santos”. O livro é da autoria do vaticanista da televisão pública italiana, Fabio Zavattaro.
“Obviamente, o Papa pode dispensar esta norma e se Bento XVI entender que isso é oportuno, a dispensa pode ser exercida”, acrescentou o Cardeal português.
João Paulo II tomou uma decisão desse tipo em relação a Madre Teresa de Calcutá, em 1999, dois anos após a morte da religiosa, reconhecendo a sua “fama de santidade”. No que diz respeito à hipótese de um reconhecimento de santidade “por aclamação” (ainda que fosse do conjunto dos bispos da Igreja universal), recorda-se que em 1965 Paulo VI recusou uma petição formulada por 150 Padres conciliares que solicitavam a beatificação, nessa modalidade, do Papa João XXIII. Só trinta e cinco anos mais tarde (ano 2000) teve lugar a beatificação do “Papa bom”.
Como se processa a canonização
Num rápido olhar sobre a história, percebe-se que nos primeiros séculos, o reconhecimento da santidade acontecia em âmbito local, a partir da fama popular do santo e com a aprovação dos bispos. Ao longo do tempo e sobretudo no Ocidente, começou a ser solicitada a intervenção do Papa a fim de conferir um maior grau de autoridade às canonizações dos santos. A primeira intervenção papal deste tipo foi de João XV em 993, que declarou santo o bispo Udalrico de Augusta, que tinha morrido vinte anos antes.
As canonizações tornaram-se exclusividade do Pontífice por decisão de Gregório IX em 1234. No decorrer do século XVI começou-se a distinguir entre “beatificação”, isto é, o reconhecimento da santidade de uma pessoa com culto em âmbito local e “canonização”, o reconhecimento da santidade com a prática do culto universal, para toda a Igreja. Também a beatificação se tornou uma prerrogativa da Santa Sé, e o primeiro acto deste tipo refere-se ao papa Alexandre VII em 1662 na beatificação de Francisco de Sales.
Hoje em dia todas estas normas encontram-se na constituição apostólica Divinus perfectionis Magister (25 de Janeiro de 1983) de João Paulo II e nas normas traçadas pela Congregação para as Causas dos Santos. Nelas foi operada a reforma mais radical dos processos de Canonização desde os decretos de Urbano VIII, com o objectivo de obter simplicidade, rapidez, colegialidade e eficácia.
O processo para a canonização tem uma primeira etapa na Diocese em que faleceu o Servo de Deus. A segunda etapa tem lugar em Roma, onde se examina toda a documentação enviada pelo Bispo diocesano. Após exame profundo da documentação efectuada pelos teólogos e especialistas, compete ao Papa declarar a heroicidade das virtudes, a autenticidade dos milagres, a beatificação e a canonização.
A tramitação do processo de santidade de um católico morto com fama de santo passa por etapas bem distintas. Cinco anos após a sua morte, qualquer católico ou grupo de fiéis pode iniciar o processo, através de um postulador, constituído mediante mandato de procuração e aprovado pelo bispo local.
Juntam-se os testemunhos e pede-se a permissão à Santa Sé. Quando se consegue esta permissão, procede-se ao exame detalhado dos relatos das testemunhas, a fim de apurar de que forma a pessoa em questão exercitou a heroicidade das virtudes cristãs.
Aos bispos diocesanos compete o direito de investigar acerca da vida, virtudes ou martírio e fama de santidade ou de martírio, milagres aduzidos, e ainda, se for o caso, do culto antigo do Servo de Deus, cuja canonização se pede.
Este levantamento de informações é enviado à Santa Sé. Se o exame dos documentos é positivo, o “servo de Deus” é proclamado “venerável”.
A segunda etapa do processo consiste no exame dos milagres atribuídos à intercessão do “venerável”. Se um deste milagres é considerado autêntico, o “venerável” é considerado “beato”. Quando após a beatificação se verifica um outro milagre devidamente reconhecido, então o beato é proclamado “santo”.
O Milagre
Os trâmites processuais para o reconhecimento do milagre acontecem segundo as normas estabelecidas em 1983. A legislação estabelece a distinção de dois procedimentos: o diocesano e o da Congregação, dito romano.
O primeiro realiza-se no âmbito da diocese na qual aconteceu o facto prodigioso. O bispo abre a instrução sobre o pressuposto milagre na qual são reunidas tanto os depoimentos das testemunhas oculares interrogadas por um tribunal devidamente constituído, como a completa documentação clínica e instrumental inerente ao caso.
Num segundo momento, a Congregação para as Causas dos Santos examina os actos processuais recebidos e as eventuais documentações suplementares, pronunciando
o juízo de mérito.
O decreto é o acto que conclui o caminho jurídico para a constatação de um milagre. É um acto jurídico da Congregação para as Causas dos Santos, aprovado pelo Papa, com o qual um facto prodigioso é definido como verdadeiro milagre.