A questão colocada a Chiara Lubich, no diário “Il Tempo” de 24 de Julho, é também o título da Mariápolis, o típico encontro de Verão promovido pelos Focolares, em várias partes do mundo, que teve início a 24 de Julho em Lake District Windermere, no norte da Inglaterra, onde estão a participar mais de 500 pessoas, entre as quais um grupo de muçulmanos.
É esta a interrogação premente que se coloca não só na Inglaterra, mas em toda a Europa e não só, depois do atentado terrorista do passado dia 7 de Julho em Londres, a cidade mais cosmopolita do velho continente.
No dia 19 de Julho de 2004, em Londres, no Westminster Central Hall, diante de mais de 2000 pessoas, com personalidades muçulmanas, budistas, sikhs e hindus, Chiara Lubich tinha dado uma resposta a esta questão.
Diante do receio pelo futuro, Chiara Lubich expõe a visão de S. Agostinho no tempo das migrações dos povos: não se trata de um conflito de civilizações, mas do nascimento de um mundo novo. Aponta para o diálogo como prevenção do terrorismo e indica os caminhos para o concretizar, a “regra de ouro” comum a muitas religiões: “Não faças aos outros aquilo que não gostarias que fizessem a ti”, aquele amor que sabe ouvir até ao ponto de “entrar na pele do outro, penetrar naquilo que para ele significa ser budista, muçulmano, hindu”. É este o caminho para a inculturação recíproca de modo a suscitar uma sociedade onde “as culturas estejam abertas umas às outras e em profundo diálogo de amor”. Propõe às religiões uma “estratégia de fraternidade” para sanar as diferenças entre ricos e pobres e imprimir uma reviravolta nas relações internacionais.
São muitos os ecos que chegaram via email de vários países, de cristãos, muçulmanos e membros de outras religiões que participaram nas Mariápolis que se têm realizado durante os meses de Verão. De Los Angeles, onde estavam presentes amigos muçulmanos discípulos de W.D. Mohammed, líder dos afro-americanos, escrevem: “Ouvir juntos esta mensagem de fraternidade universal, depois de termos sabido dos atentados em Londres, foi um verdadeiro sinal de esperança. Foi um momento forte ver a fraternidade universal realizada entre nós”. Na Mariápolis de St Vith na Bélgica, estavam representadas 18 nacionalidades. “O que mais impressionou os muçulmanos foi a experiência de Deus no meio da comunidade, presente pelo amor recíproco vivido”. O mesmo se passou em Amman, na Jordânia, onde estava presente um grupo proveniente do Iraque, e também em Istambul. Um professor, ex-militar muçulmano, comentou: “Eu aqui vi que a fraternidade tomou outras dimensões. Tudo aquilo que ouvimos recorda-nos o pensamento de Mevlana (grande místico muçulmano turco). E uma senhora muçulmana: “Aqui, as diferenças transformaram-se em unidade. Experimentámos o arco-íris da paz, colorido pelo amor”.
Mais informações: www.focolare.org
Entrevista a Chiara Lubich
Publicada no Jornal “Il Tempo” no dia 24 de Julho de 2005
Depois dos atentados de Londres e de Sharm El Sheik, uma questão é premente: qual é o futuro para uma sociedade multicultural, multiétnica e multirreligiosa? Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares e há 40 anos empenhada no diálogo com judeus e muçulmanos, budistas e hindus, dá uma resposta. Entrevistámo-la nas vésperas da Mariápolis da Inglaterra, um encontro de Verão organizado pelos Focolares no mundo inteiro, onde participam representantes de várias religiões, entre os quais muitos muçulmanos.Chiara Lubich, diante dos últimos atentados em Londres e em Sharm El Sheik, podemos dizer que estamos diante de um choque de civilizações?
Não. Nunca como neste momento no mundo, pessoas crentes e responsáveis de todas as religiões sentiram o dever de trabalhar juntos pelo bem comum da humanidade. É uma urgência que está viva como nunca nestes dias, e ainda mais na Grã Bretanha. Confirma isto a quantidade enorme de declarações e iniciativas que têm sido feitas.
Com o 11 de Setembro de 2001, a humanidade descobriu, aterrorizada, a natureza deste grande e enorme perigo que é o terrorismo. O terrorismo, tal como tinha afirmado João Paulo II, é também fruto das forças do Mal com M maiúsculo, das Trevas. Ora bem, forças deste tipo não se combatem unicamente com meios humanos, diplomáticos, políticos ou militares; são necessárias as forças do Bem com B maiúsculo. E o Bem com B maiúsculo é – já sabemos – Deus, e tudo aquilo que tem n’Ele as suas raízes. Pode-se, portanto, combater com as forças espirituais, com a oração e, por exemplo, com o jejum.
Acha que a oração é suficiente para travar a acção suicida dos fanáticos do terror?
Penso que a oração não basta. Sabemos que são muitas as causas do terrorismo, mas uma, a mais profunda, é o sofrimento insuportável diante de um mundo rico que corresponde a um quinto, e de um mundo pobre que corresponde a quatro quintos. Isto gerou e gera ressentimentos em incubação há muito tempo nas pessoas, gerando violência e vingança. Exige-se mais igualdade, mais solidariedade, sobretudo uma mais justa distribuição dos bens. Mas, como sabemos, os bens não se mexem sozinhos, não caminham sozinhos, são movidos pelos corações. Por isso, é preciso difundir entre o maior número possível de pessoas, a ideia e a prática da fraternidade e, dada a vastidão do problema, a ideia da fraternidade universal. Os irmãos sabem pensar nos irmãos, sabem como ajudá-los, sabem como partilhar aquilo que têm.
Quem deveriam ser os principais actores desta “revolução dos corações”?
O contributo das religiões é decisivo. De quem, se não das grandes tradições religiosas, poderia partir a estratégia da fraternidade capaz de assinalar uma reviravolta nas relações internacionais? Os enormes recursos espirituais e morais, o contributo de ideais, de aspirações à justiça, o empenho em favor dos mais necessitados, juntamente com todo o peso político de milhões de crentes, que nascem do sentimento religioso, se fossem canalizados para o campo das relações humanas, poderiam, sem dúvida alguma, traduzir-se em acções que podem influenciar positivamente a ordem internacional.
Como é possível dialogar com quem tem uma história, uma tradição, uma religião, totalmente diferentes das nossas?
Posso responder com a nossa experiência. Aquela descoberta, para mim fulgurante, de Deus Amor que aconteceu num outro período de ódio e de violência como foi a segunda guerra mundial, ainda hoje ilumina a minha vida e a de pessoas de todas as culturas. Diante do receio do futuro, temos que ter a certeza que temos um Pai que não abandona os seus filhos, mas que os quer acompanhar, proteger e ajudar. Acreditar no seu amor foi sempre o primeiro imperativo, acreditar que somos amados por Ele pessoal e imensamente.
A descoberta do Pai leva à redescoberta dos filhos, da radicalidade do amor evangélico. Este amor não é feito só de palavras ou de sentimentos, é concreto. Exige que se faça um com os outros, que “se viva” de certo modo “o outro” com os seus sofrimentos, as suas alegrias, para o compreender, para poder servi-lo e ajudar concreta e eficazmente. Trata-se de chorar com quem chora e de se alegrar com quem está contente. Este amor é a chave que abre um diálogo profundo e fraterno, também com os membros das outras religiões e com pessoas de outras culturas.
Se tivermos este amor, o outro poderá manifestar-se, porque encontra em nós alguém que o acolhe, pode doar-se, porque encontra em nós alguém que o ouve. Ficamos então a conhecer a sua fé, a sua cultura, a sua linguagem. Entramos no seu mundo, inculturamo-nos nele e assim nos enriquecemos. A nossa completa abertura predispõe o outro a ouvir-nos. E com esta atitude contribuímos para que as nossas sociedades multiculturais sejam interculturais, isto é, compostas por culturas abertas umas às outras e em profundo diálogo de amor entre si.