Vaticano

"Reconciliai-vos com Deus"

Elias Couto
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Intenção do Santo Padre para o Apostolado da Oração– MARÇO

Que no Povo de Deus e nos seus Pastores aumente a consciência da importância do Sacramento da Reconciliação, dádiva misericordiosa de Deus. 1. «Ó Senhor, dá-nos a paz, a paz do sábado que não entardece» (Santo Agostinho). Estamos divididos – connosco, com os outros, com a natureza, com Deus. Podemos viver assim – e, de facto, vivemos assim habitualmente. Não é esse, porém, o modo como estamos chamados a viver, quando sondamos a profundidade mais íntima do nosso ser. Aí, onde o nosso eu nos escapa para regiões quase sempre desconhecidas, porque raramente temos coragem de ir tão longe, experimentamos com uma intensidade agónica a nostalgia da paz, que é bem estar, harmonia, unidade, permanência… tão difícil de definir que apenas ocorrem as palavras de Santo Agostinho gritando a Deus pelo dom da «paz do sábado que não entardece». 2. «Em nome de Cristo, suplicamo-vos: reconciliai-vos com Deus» (2 Cor 5, 20). O caminho da paz é a reconciliação. Caminho difícil, mais ainda quando não se fez o caminho mais longo: reconciliar-se com Deus. Digamo-lo com todas as letras: não há reconciliação possível consigo, com os outros, entre os povos, com a natureza… enquanto não fizermos o sacrifício que nos reconcilia com Deus. Entenda-se: fazer sacrifício, aqui, não significa penitência, andar de joelhos, não significa nada disso que o sacrifício se tornou na linguagem comum. Sacrifício, aqui, vai à raiz das coisas: fazer sagrado, portanto, fazer separado. Qual é o sacrifício que nos reconcilia com Deus? Aquele que separa o querer e interesse de Deus do nosso querer e interesse. Aquele que não confunde os caminhos de Deus com os caminhos dos homens. Aquele que não invoca o nome de Deus em vão. Reconciliar-se com Deus? Fazendo sacrifício da vontade de Deus, que não é a nossa. Reconciliar-se com Deus? Indo ao mais íntimo de nós mesmos, e deixando que, aí, Deus se faça Senhor da nossa liberdade, para ser Ele a nossa paz, mesmo se isso nos custa tudo aquilo que julgávamos ser nosso por direito de conquista: na relação connosco, com os outros e sobretudo com Ele. 3. «Tudo isto vem de Deus, que nos reconciliou consigo por meio de Jesus Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação» (2 Cor 5, 18). Pasme-se diante deste Deus que, tendo-nos reconciliado consigo, «nos confiou o ministério da reconciliação»! A todos nós, a qualquer um de nós, que acolhe a reconciliação realizada por Deus em Jesus Cristo. Mais importante, pois, do que as formas concretas como este ministério da reconciliação se faz presente e se exerce no meio dos homens, é o próprio ministério da reconciliação e o facto de que ele nos foi confiado. Por isso S. Paulo suplica: «reconciliai-vos com Deus». Quem julga que este ministério não lhe diz respeito, faz objectivamente o jogo do poder das trevas, sempre apostado na divisão, no ódio, na afirmação do «sereis como deuses» e, portanto, na recusa do sacrifício que todos temos de fazer. 4. O exercício concreto deste ministério de reconciliação conheceu variadas formas históricas desde que Deus no-lo confiou, em Cristo Jesus. Na Igreja católica, assumiu dignidade sacramental, tornando-se «sinal eficaz da graça de Deus» que realiza plenamente aquilo que anuncia – ou seja, realiza, de facto, a reconciliação daquele que o celebra com Deus, em Jesus Cristo. Diz-se, por vezes em tom lamentoso, que actualmente este sacramento perdeu «adeptos» – e salienta-se como causa a perda do «sentido do pecado» por parte do homem moderno. A questão é longa e difícil. Mas um princípio de resposta encontra-se no texto da Intenção do Santo Padre, que fala deste sacramento como da Reconciliação e como dom misericordioso de Deus. Esta misericórdia manifesta-se no facto de que Deus nos reconciliou consigo em Jesus Cristo e nos confiou o ministério da reconciliação, que o sacramento exprime de modo concreto. Importa, por isso, evangelizar a ideia individualista e desculpabilizante de «ir confessar-se» para se «livrar» dos pecados, sem qualquer sacrifício, prestando maior atenção ao ministério de reconciliação que nos foi confiado e que, no encontro entre o sacerdote e o penitente, se concretiza de modo sacramental. Será, talvez, um modo mais adequado de ajudar os fiéis a entenderem o valor deste sacramento, para cada um e para o mundo, tão necessitado de reconciliação. Oxalá a Quaresma, prestes a iniciar-se, seja tempo favorável para o sacrifício que se impõe, tendo em vista uma vivência reconciliada do sacramento da reconciliação.


João Paulo II