Vaticano

Teopoética musical de Olivier Messiaen

Luís Filipe Santos
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A sua obra musical continua a servir de inspiração a várias gerações de intérpretes e compositores

A sonoridade da sua música caracteriza-se por um profundo sentimento religioso aliado a uma grande componente mística. Passados 16 anos da morte de Olivier Messiaen e no centenário do seu nascimento (10 de Dezembro de 1908), a sua obra musical continua a servir de inspiração a várias gerações de intérpretes e compositores. Os seus pais (Pierre Messiaen e Cécile Sauvage) não eram crentes e também não eram músicos. O professor de inglês (Pai) e a poetisa (mãe) deram a Olivier uma educação muita aberta à fantasia e com apenas 22 anos foi nomeado organista titular do órgão Cavaillé-Coll da Igreja da Santíssima Trindade, em Paris. “O órgão que eu amo como a um filho” – disse Olivier Messiaen numa entrevista a Brigitte Massin. Portugal não esqueceu este compositor e executante de verdadeiras maravilhas sonoras. No passado mês de Março, a catedral de Leiria acolheu um espectáculo de luz, poesia e cor, aliadas à envolvência da música imponente de Olivier Messiaen. Também no Porto e em Lisboa várias entidades celebram o centenário do «Bach do século XX» Profunda relação com a natureza Este mestre francês que faleceu a 27 de Abril de 1992. Distinguiu-se como compositor, maestro e organista. Em 1936 participou, juntamente com André Jolivet, Yves Baudrier e Daniel Lesur na fundação do Movimento Jeune-France. Preso quatro anos depois, escreveu, ainda no cativeiro, uma das suas obras-primas, «O Quarteto para o fim do tempo» (1941). No ano seguinte foi nomeado professor do conservatório da capital francesa e formou a geração dos compositores do pós-guerra. Com um forte sentido espiritual e uma profunda relação com a natureza (sobretudo a linguagem dos pássaros), Olivier Messiaen inspirou-se também nos modos e ritmos das tradições orientais, sobretudo da Índia, Balí e Japão. No entanto, a dimensão mais rica da sua obra situa-se no profundo sentido de espiritualidade. Os próprios títulos das suas obras mais conhecidas («Quarteto para o fim dos tempos», «Três pequenas liturgias da presença divina», «Vinte olhares sobre o Menino Jesus») sugerem a sua visão bíblica e espiritualista. Como leitor de «contos de fadas», Olivier conta - na mesma entrevista a Brigitte Massin – como se tornou cristão. “Creio que foi por causa dos contos de fadas que me tornei cristão”. O maravilhoso era o seu clima natural. E explica: “geralmente, o maravilhoso inscreve-se em mitos, em histórias imaginárias, mas na religião católica, o maravilhoso que nos é dado é verdadeiro”. A estética musical Para além dos «contos de fadas», a «Suma Teológica» de S. Tomás de Aquino exerceu também uma grande influência na formação de Messiaen. Tinha 15 anos quando teve o primeiro contacto com esta obra que desempenhou um papel fulcral na sua criação musical. Na leitura deste tratado teológico, o «Bach do Século» não procura os fundamentos dogmáticos da sua fé, mas a leitura estética. Esta relação paternal com o órgão deve-se à exigência e insistência que colocava na inspiração musical. Toca aquele instrumento de teclas nas três missas da manhã, vésperas e as restantes celebrações de circunstância. Nas Vésperas e na Eucaristia do meio-dia, em particular, abriram-lhe um vasto campo para a improvisar. “Da prática da improvisação, da sua fixação escrita e dos seus posteriores desenvolvimentos vieram a nascer os grandes ciclos para órgão: «La Nativité du Seigneur – Neuf Méditations pour orgue (1935)»; «Les Corps Gloriex (1939)»; «Messe de la Pentecôte (1949/50)»; «Meditations sur la Sainte-Trinité (1969)» e «Livre du Saint Sacrament (1984)» (Teixeira, Alfredo – O Santo e o Maravilhoso na Obra de Olivier Messiaen. Communio. Lisboa. 6 (1987) 567-572). No órgão da Igreja parisiense, Olivier “nunca foi um simples funcionário ao serviço de uma ordem ritual” (Ibidem). Para além da obra «Le Christ dans ses misteres» do beneditino Columba Marmion, Olivier Messiaen leu também outros teólogos: Romano Guardini, Thomas Merton e, aquele que “considero o maior de todos, Urs von Balthasar, autor daquela magnífica obra «A Glória e a Cruz», tão difícil de ler quanto S. Tomás de Aquino” (Massin, Brigitte – Olivier Messiaen. Une poetique du merveilleux. Aix-en Provence: Ed. Alínea, 1989.) Músico da cor e da alegria O compositor e executante que faria 100 anos de vida neste mês de Dezembro tinha uma visão positiva do mundo. Para ele, as obras citadas anteriormente eram tão religiosas quanto a «Des canyons aux Etoiles (1971/74)», verdadeiro vitral onde se cruza a Teologia e a Cosmologia. Estas obras musicais são religiosas porque se inscrevem numa teopoética - transmitir a santidade de Deus - na insuficiência da linguagem humana. Os cantores da jubilação cósmica – os pássaros – são seus companheiros no processo da criação musical. Para além deste júbilo, o croma também exercia influência na sinfonia dos seus sons. No conjunto da sua obra nota-se também uma predilecção pela música vitral com as constantes alusões à figura bíblica do arco-íris. “É verdade, eu sou um músico da cor e da alegria” – confessou Messiaen. Foto: Osservatore Romano


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