O homem que os Cardeais eleitores acabam de escolher para suceder a João Paulo II irá receber a herança de um pontificado excepcional, de 26 anos e meio, e enfrentar um mundo em mudança, com desafios específicos em cada continente, desde a pobreza e as desigualdades sociais à secularização e indiferença religiosa, passando pelo diálogo com as outras religiões e o relativismo moral.
O Bispo de Roma é, de facto, o líder de mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo e deve enfrentar todos os assuntos que lhes dizem respeito. Uma tarefa sobrehumana que apenas pode ser entendida aos olhos da fé.
Muita da especulação mediática girou em torno da nacionalidade do próximo Papa, sabendo-se que o número de católicos está em quebra na Europa e mais de metade dos fiéis da Igreja encontra-se já no hemisfério sul. A questão, porém, é mais ampla: as caras da Igreja mudam de região para região, mas ela é sempre a mesma.
As interpretações variam desde a opção “política” ao cuidado pastoral da Igreja, num momento em que são cada vez mais os que perdem a identidade cristã. A crescente globalização abre, ainda, problemas novos, na relação com o mundo e na definição da Igreja: colegialidade, prática litúrgica, ministério da presidência, questões éticas, doutrina social, pastoral familiar, produção teológica, tudo o que se conseguir pensar sobre as comunidades eclesiais.
Os constantes conflitos internacionais e as desigualdades no campo socio-económico são ainda outro desafio, agora que João Paulo II fez da Igreja uma referência moral nesse campo, mesmo em países não católicos.
Quando, há quase 27 anos, foi apresentado ao mundo o Cardeal Karol Wojtyla houve uma espécie de atordoamento geral: ninguém conhecia o Papa polaco e muitas pensaram mesmo que aquele era o nome de um Papa negro. Depois do seu Pontificado, sabemos quase tudo dele e dos desafios que deixou à Igreja.
O próximo Papa necessariamente terá que partir de João Paulo II, que reformou de forma ímpar o Papado, hoje em dia verdadeiramente universal após mais de um milhão de quilómetros de viagens pastorais: o Papa comunicador, o Papa dos jovens, o Papa dos gestos históricos é uma referência para o seu sucessor.
A missão da Igreja, no fundo, é só uma: a Evangelização. Recristianizar os ambientes do homem e da mulher dos nossos dias é uma prioridade incontornável.
Internamente, a reorganização da Cúria Romana e a redefinição das suas relações com as Igrejas locais é urgente. A dimensão da sinodalidade dos Bispos está a perder o lugar que tinha logo após o II Concílio do Vaticano e o governo da Igreja exige uma nova percepção desta dimensão, bem como da colegialidade.
Uma das principais problemáticas relaciona-se com o papel da mulher na Igreja. Muitos são os que pedem mais espaço para elas na teologia, na pastoral, nos diversos cargos eclesiásticos e nas paróquias.
Outros novos problemas surgiram na área da bioética e da pesquisa científica, com desafios absolutamente desconhecidos há 27 anos atrás, hoje por hoje muito mais complexos e vastos.
O próximo Papa deverá ainda continuar a trabalhar em favor da unidade dos cristãos e no diálogo com as outras religiões, por forma a encontrar bases comuns para a paz. A Igreja de amanhã, porque é nela que falamos, não será fechada em si mesma numa defesa autoapologética ou na restauração de um velho confessionalismo.
Nada disto fará sentido se o novo Papa não for um homem de oração, profundamente centrado em Cristo, por mais estranho que isso soe a quem vê no chefe da Igreja Católica um líder mais político e social do que religioso.