Vaticano

Um Pesadelo em África

Francisco Perestrello
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Como repetidamente se tem referido 2005 tem sido um ano de fraca colheita cinematográfica. Raros são os filmes estreados de verdadeira qualidade e cresceu a frequência de obras banais, similares ou quase plágios de outras já conhecidas. Tal não impede que, sem grandes alaridos, se incluam na programação do ano corrente trabalhos de manifesto interesse, mesmo que incapazes de brilhar em cartaz por tempo indeterminado ou mesmo chamar a atenção da maioria do público. É este o caso de «O Pesadelo de Darwin», que estreará muito em breve. Sendo um documentário contará, logo à partida, com a desconfiança da maioria dos espectadores, que procuram no cinema a fantasia e divertimento de uma história bem contada. Mas há outras vertentes dignas de atenção, sobretudo como, no caso presente, estão em foco os direitos humanos em cruzamento com as políticas internacionais. O realizador austríaco Hubert Sauper necessitou de muita coragem para, muitas vezes de forma dissimulada, filmar a vida dos habitantes das margens do Lago Victoria, na Tanzania, que vivem na miséria, dizimados pela fome e pela Sida, enquanto a enorme riqueza piscícola desse mesmo lago é exploradas pela sua mão-de-obra, mal paga, ao serviço de empresas estrangeiras que exportam filetes de peixe, sobretudo para a Europa. Para alimentação dos habitantes locais restam as cabeças, ou pouco mais. Hubert Sauper estende ainda a sua crítica ao serviço prestado pelos aviões no transporte de armas que alimentam as guerras, frequentes nos países mais próximos, contribuindo para um dos grandes dramas que tem levado a África a retardar o seu desenvolvimento. Mesmo sendo trabalhado como documentário, o filme conta com um bom ritmo de montagem o que permite que a narrativa visual se acompanhe sem grande esforço, mesmo que, no final, fique sobretudo a tristeza de sentirmos o muito que falta para vivermos num mundo em que haja um mínimo de justiça. Francisco Perestrello


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