Vaticano

Valorizar a literatura, a arte e os meios de comunicação, pede o Papa aos católicos

Elias Couto
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Que os cristãos valorizem mais a literatura, a arte e os meios de comunicação social, para favorecer uma cultura que defenda e promova os valores da pessoa humana [Intenção geral do Santo Padre para o mês de Maio]. 1. A literatura e a arte Durante séculos, a arte foi, entre nós, marcada por uma profunda influência do imaginá-rio cristão – cenas bíblicas ou da vida dos santos encontraram as mais variadas expressões na escultura e na pintura, a arquitectura deu o seu melhor na edificação de catedrais e outros templos, a literatura viu surgir obras imorredouras em torno dos mistérios cristãos. A arte moderna e contemporânea, pelo contrário, foi-se afastando da temática religiosa e acabou por ignorá-la ou, em muitos casos, por ser declaradamente anticristã. A literatura é um caso para-digmático: desde os «romances de aeroporto» até aos autores mais consagrados, é raro encon-trar um texto literário que assuma de modo positivo a herança cristã das sociedades ociden-tais; o normal é, pelo contrário, ignorar ou maltratar tal herança, às vezes de forma absoluta-mente despudorada. Há, sem dúvida, artistas de grande valor que são cristãos – mas nem esses assumem os temas religiosos cristãos como fonte primária de inspiração para a sua arte. Como consequência, a expressão artística do Cristianismo tornou-se, em muitos casos, sim-ples «produção em série» de objectos devocionais, sem valor artístico relevante. Tudo isto é, certamente, reflexo de uma realidade cultural nova, na qual o Cristianismo não é visto como fonte de cultura nem como promotor da mesma... Mas é, sobretudo, fruto de uma cultura adversa ao Cristianismo, «cristianofóbica», na qual a literatura e a arte em geral, para se afir-marem, precisam, no mínimo, de ignorar o Cristianismo – e, frequentemente, de descer ao insulto, em nome da liberdade de expressão. 2. Valorizar a arte Apesar das dificuldades referidas antes, os cristãos não podem alhear-se da literatura, da arte, dos meios de comunicação social, com o argumento de que estes maltratam a sua heran-ça cultural e a sua fé. Sendo um facto, não é o único facto. E, sobretudo, os crentes não perde-ram as suas capacidades naturais, por serem crentes. Se cristãos de outros tempos puderam elaborar poderosas obras de arte, literárias ou plásticas, exprimindo o essencial da sua fé, não há-de faltar, entre os crentes de hoje, quem possa fazer o mesmo, usando as técnicas e a lin-guagem próprias de hoje. Certamente, isso não acontecerá por acaso e não se poderá esperar que tais obras de arte sejam promovidas pela sociedade, como um todo. Deverão ser as comu-nidades cristãs a promover o interesse pela arte, do passado e de agora, a cuidar da beleza associada à expressão da fé, a valorizar aqueles que, no seu seio, cultivam estas linguagens e, com elas, podem tornar presente o mistério do homem e de Deus. Além disso, os cristãos não devem descurar a arte, em geral, pois não faltam artistas e obras que, sem fazerem apelo directo ao imaginário cristão, exprimem o essencial do mistério do homem – e também aí o crente pode perceber o rasto de Deus. 3. Apostar na comunicação O Cristianismo não é uma sabedoria para alguns. Desde o início, foi sempre uma Boa Nova para todos, a ser proclamada a todos, em todos os tempos e lugares. Neste anúncio, não se deve desprezar nenhuma linguagem: a literatura, o cinema, as artes plásticas... Nem se deve ficar ausente de nenhuma plataforma comunicacional: televisão, rádio, jornais, revistas, inter-net... Esta presença há-de ser levada a cabo, sempre que possível, nos meios de comunicação ditos neutros, por profissionais cristãos competentes. Parece-me, porém, evidente, no contexto concorrencial em que vivemos, a necessidade de os cristãos organizarem e liderarem, com exigência, profissionalismo e competência, iniciativas próprias, nas diversas plataformas comunicacionais, pois só desse modo poderão intervir activamente na configuração do ambiente cultural em que vivem – até porque os meios neutros, de facto, nunca são neutros e, relativamente à mensagem cristã, são frequentemente hostis. Só esta presença, com meios próprios e em concorrência aberta com outros, poderá criar massa crítica suficiente para que os cristãos e o Cristianismo possam ser, de novo, actores e autores de cultura. Não como força dominante, mas como proposta em concorrência livre e directa com outras, sabendo que a nossa se distingue pela qualidade, originalidade e, tantas vezes, pela capacidade de subversão dos discursos cultural e politicamente correctos – e que por ela passa a edificação de uma cul-tura que defenda e promova os valores da pessoa humana e a humanização do mundo. Elias Couto


Bento XVI