Vaticano

Vaticano propõe nova atitude perante os ciganos

Octávio Carmo
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O Vaticano acaba de publicar as suas novas “Orientações para uma Pastoral dos Ciganos", documento que apela a uma mudança de fundo na relação da Igreja e das suas estruturas com este povo. No texto, elaborado pelo Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes (CPPMI), pede-se perdão pelos erros cometidos na relação com os ciganos, defendendo a superação dos preconceitos, das desconfianças e das atitudes de rejeição contra estas populações, de modo a favorecer a sua integração na sociedade. O presidente do CPPMI, Cardeal Stephen Fumio Hamo, denunciou a “indiferença e oposição contra os ciganos”, lembrando que a história do povo cigano “ficou marcada muitas vezes pela perseguição, o exílio, a falta de acolhimento, a rejeição, o sofrimento e a discriminação”. “Muitos são os que partilham dos preconceitos habituais, enquanto continuam os sinais de rejeição que, com frequência, não provocam qualquer tipo de reacção ou protestos da parte dos que os testemunham", acrescentou, na conferência de imprensa onde foram apresentadas as Orientações. “Estas Orientações são um sinal de que a Igreja tem uma preocupação específica com os ciganos. Eles já são objecto de uma particular postura pastoral em função da sua cultura que, como todas, deverá passar através do mistério pascal, de morte e ressurreição”, disse o presidente do CPPMI. Segundo este responsável, todos os católicos devem perceber que “cada um tem o direito de ser acolhido na Igreja, na qual não há lugar para a marginalização e a exclusão”. As “Orientações para a Pastoral dos Ciganos” apresentam uma síntese da relação da Igreja com os povos nómadas, identifica os problemas que enfrentam e frisa o compromisso da Igreja com o bem-estar espiritual e económico destes. O Cardeal Hamao adiantou que “a pastoral em favor dos ciganos está bem constituída em quase todos os países europeus, em algumas regiões da América Central e Meridional e em alguns países da Ásia (Índia, Bangladesh e Filipinas)”. “Isso representa a solicitude missionária da Igreja e, portanto, este Documento dirige-se não só às pessoas envolvidas - ciganos e não - neste campo pastoral específico, mas também à Igreja na sua organização territorial”, acrescentou. O membro da Cúria Romana estimou que cerca de 15 milhões de ciganos vivam hoje na Europa, mas adiantou que as recomendações do documento podem ser aplicadas a “outros nómadas que partilham condições de vida semelhantes nos vários continentes”. Sobre o modo de vida cigano, o Cardeal japonês afirmou que “é essencialmente um testemunho vivo à liberdade interior face ao consumismo e à falsa segurança baseada na suposta auto-suficiência das pessoas”. Entre os muitos sinais de evolução positiva no modo cigano tradicional de viver e pensar, o Cardeal destacou a aposta na educação, a inclusão das mulheres na vida social e a formação de organizações políticas e sociais. A ideia de preparar o documento surgiu em 1999, ainda que o mesmo recolha a experiência destes últimos 40 anos, pois a Santa Sé oferece uma atenção pastoral aos ciganos desde 1965, através do então designado Secretário Internacional do Apostolado dos Nómadas. Em 1988, João Paulo II criou o Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes. Evangelização e promoção Por não se identificarem com nenhum país específico, os ciganos não têm protecção governamental e precisam da ajuda de organizações internacionais. O documento da Santa Sé apela à ajuda da Igreja na protecção dos seus direitos, bem como no cuidado pelas pessoas, na educação e na introdução do Evangelho. D. Agostino Marchetto, secretário CPPMI, falou da pastoral específica para os ciganos, frisando que a mesma deve ser dirigida para a sua evangelização e promoção humana. O Arcebispo italiano disse aos jornalistas que o carácter único da cultura cigana “torna a evangelização desde o exterior ineficaz”. O processo de evangelização torna-se “ainda mais complicado”, acrescentou, “porque a Igreja não pode legitimar todos os aspectos desta cultura”. “Pela particular natureza da cultura cigana, a simples evangelização ‘de fora’ não é eficaz. De qualquer modo, na autêntica tradição católica, a Igreja deve encarnar-se entre os ciganos, para que estes sejam Igreja”, explicou. D. Marchetto mostrou-se consciente da grande tarefa que é preciso enfrentar “para formar as consciências, informar e mudar comportamentos de desconfiança, alimentada também por notícias parciais que se referem aos ciganos”. “A evangelização dos ciganos é missão de toda a Igreja, porque nenhum cristão deveria permanecer indiferente perante situações de marginalização na comunhão eclesial. Mesmo que a pastoral para os ciganos tenha uma própria especificidade, que requer uma cuidadosa e particular formação dos seus protagonistas directos, uma postura de acolhimento deve manifestar-se em toda a comunidade católica”, precisou. Neste sentido, as Orientações têm como objectivo “sensibilizar mais todo o Povo de Deus (despertando a consciência de todos os membros da Igreja) não somente para superar a hostilidade, a rejeição ou a indiferença, mas para se chegar a um comportamento abertamente positivo para com os nossos irmãos e irmãs ciganos”, concluiu. O texto realça a necessidade de se criar, no âmbito da catequese, o espaço que permita aos ciganos expressarem sem constrangimentos a forma como vivem a sua relação com Deus e a urgência da tradução da Bíblia, textos litúrgicos e os livros de oração na língua usada pelos diversos grupos étnicos.


Pastoral dos Ciganos