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Vaticano: Respostas para questões da Bioética

Agência Ecclesia
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Documento da Congregação para a Doutrina da Fé: a Instrução «Dignitatis personae» reforça posições da Igreja

A Congregação para a Doutrina da Fé apresentou hoje (12 de Dezembro), no Vaticano, a instrução «Dignitatis personae» sobre questões de Bioética. Nos últimos anos as ciências biomédicas conseguiram progressos enormes, que abrem novas perspectivas terapêuticas, mas suscitam também sérias interrogações não explicitamente enfrentadas pela Instrução Donum vitae (22 de Fevereiro de 1987). A nova Instrução pretende “propor respostas para algumas novas questões de bioética, que provocam expectativas e perplexidades em vastos sectores da sociedade”. De tal modo procura-se “promover a formação das consciências e encorajar uma pesquisa biomédica que respeite a dignidade de cada ser humano e da procriação” – sublinha o documento. A Instrução inicia com as palavras «Dignitas personae» – a dignidade da pessoa - que é reconhecida a cada ser humano, desde a concepção até à morte natural. Este princípio fundamental “exprime um grande «sim» à vida humana”, que “deve ser colocado no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica” – realça o capítulo um da instrução. Há diversos anos que a Congregação para a Doutrina da Fé estuda as novas questões biomédicas em ordem à actualização da «Instrução Donum vitae». Ao proceder ao exame de tais questões, “procura-se ter sempre presentes os aspectos científicos, servindo-se, na análise, da Pontifícia Academia para a Vida e de um grande número de peritos, para os confrontar com os princípios da antropologia cristã. As encíclicas Veritatis Splendor e Evangelium Vitae de João Paulo II e outras intervenções do Magistério oferecem claras indicações de método e de conteúdo em ordem ao exame dos problemas em questão”. Estrutura da Instrução «Dignitatis personae» A Instrução «consta de três partes: a primeira recorda alguns aspectos antropológicos, teológicos e éticos de importância capital; a segunda enfrenta novos problemas em matéria de procriação; a terceira examina algumas novas propostas terapêuticas que comportam a manipulação do embrião ou do património genético humano» (n. 3). Aspectos antropológicos, teológicos e éticos de importância capital Em relação aos aspectos antropológicos, teológicos e éticos da vida e da procriação humana existem dois princípios fundamentais: “O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida” (n. 4) e “A origem da vida humana... tem o seu contexto autêntico no matrimónio e na família, onde é gerada através de um acto que exprime o amor recíproco entre o homem e a mulher. Uma procriação verdadeiramente responsável em relação ao nascituro deve ser o fruto do matrimónio” (n. 6). Novos problemas em matéria de procriação A segunda parte da Instrução reflecte sobre novos problemas em matéria de procriação. Actualmente, entre as técnicas para ultrapassar a infertilidade são utilizadas: «técnicas de fecundação artificial heteróloga» (n. 12): «destinadas a obter artificialmente uma concepção humana a partir dos gâmetas provenientes de ao menos um doador diverso dos esposos que são unidos em matrimónio» (nota 22); «técnicas de fecundação artificial homóloga» (n. 12): destinadas a obter artificialmente «uma concepção humana a partir dos gâmetas de dois esposos unidos em matrimónio» (nota 23); «técnicas que se configuram como uma ajuda ao acto conjugal e à sua fecundidade» (n. 12); «intervenções que visam remover os obstáculos que se opõem à fertilidade natural» (n. 13); «o procedimento da adopção» (n. 13). A tal respeito, são lícitas todas as técnicas que respeitam «o direito à vida e à integridade física de cada ser humano», «a unidade do matrimónio, que comporta o recíproco respeito do direito dos cônjuges a tornarem-se pai e mãe somente um através do outro» e os valores especificamente humanos da sexualidade, que exigem que a procriação de uma pessoa humana deva ser buscada como o fruto do acto conjugal específico do amor entre os esposos» (n. 12). A experiência dos últimos anos demonstrou que no contexto das técnicas de fecundação in vitro «o número de embriões sacrificados é muito alto» (n. 14): nos maiores centros de fecundação artificial, o número de embriões sacrificados é superior a 80% (cf. nota 27). «Os embriões produzidos in vitro que apresentam defeitos são directamente eliminados»; Muitos casais «recorrem às técnicas de procriação artificial com o único objectivo de poder realizar uma selecção genética dos seus filhos». Entre os embriões produzidos in vitro «um determinado número é transferido para o seio materno e os restantes são congelados»; a técnica da transferência múltipla, isto é, «de um número maior de embriões em relação ao filho desejado, assegurando a procriação na previsão de alguns se perderem… comporta, de facto, um tratamento puramente instrumental dos embriões» (n. 15). Quanto ao grande número de embriões congelados já existentes, pergunta-se. Que fazer deles? A tal respeito, todas as propostas avançadas (usar tais embriões para a investigação ou de os destinar a usos terapêuticos; descongelá-los e, sem os reactivar, usá-los para a pesquisa como se fossem cadáveres normais; colocá-los à disposição de casais inférteis, como “terapia da infertilidade”; fazer uma forma de “adopção pré-natal”) colocam problemas de vária ordem. «Em definitivo, há que constatar que os milhares de embriões em estado de abandono determinam uma situação de injustiça de facto irreparável. Por isso, João Paulo II lançou um «apelo à consciência dos responsáveis do mundo científico e, de modo especial, aos médicos, para que se trave a produção de embriões humanos, tendo presente que não se descortina uma saída moralmente lícita para o destino humano dos milhares e milhares de embriões “congelados”, que são e permanecem titulares dos direitos essenciais e que, portanto, devem ser tutelados juridicamente como pessoas humanas» (n. 19). Novas propostas terapêuticas que comportam a manipulação do embrião ou do património genético humano Por terapia genética entende-se «a aplicação ao homem das técnicas de engenharia genética com uma finalidade terapêutica, ou seja, com o objectivo de curar doenças de origem genética» (n. 25). A terapia genética somática «propõe-se eliminar ou reduzir defeitos genéticos presentes a nível das células somáticas» (n. 25). A terapia genética germinal visa «corrigir defeitos genéticos presentes em células da linha germinal, para transmitir os efeitos terapêuticos obtidos sobre o sujeito à sua eventual descendência» (n. 25). Quanto à terapia genética germinal, «os riscos ligados a qualquer manipulação genética são significativos e ainda pouco controláveis» e, portanto, «no estado actual da investigação não é moralmente admissível agir de modo que os potenciais danos derivantes se propaguem à descendência» (n. 26). Quanto à hipótese de aplicar a engenharia para praticar manipulações com pretensos fins de melhoramento e potenciamento da dotação genética, deve observar-se que tais manipulações favorecem uma «mentalidade eugenética» e introduziriam «um indirecto estigma social no confronto dos que não possuem particulares dotes, e enfatizam dotes apreciados em determinadas culturas e sociedades que, por si, não constituem o específico humano. Estaria isso em contraste com a verdade fundamental da igualdade entre todos os seres humanos, que se traduz no princípio de justiça, cuja violação acabaria por atentar à convivência pacífica entre os indivíduos... Deve-se, por fim, sublinhar que, na tentativa de criar um novo tipo de homem, entrevê-se uma dimensão ideológica, segundo a qual o homem pretende substituir-se ao Criador » (n. 27). A clonagem humana Por clonagem humana entende-se «a reprodução assexual e agâmica do inteiro organismo humano, com o objectivo de produzir uma ou mais “cópias” do ponto de vista genético substancialmente idênticas ao único progenitor» (n. 28). As técnicas propostas para realizar a clonagem humana são a fixação gemelar que consiste «na separação artificial de células singulares ou grupo de células do embrião, nas primeiras fases do desenvolvimento, e na sucessiva transferência destas células para o útero, com o fim de obter, de modo artificial, embriões idênticos» (nota 47), e a transferência de núcleo, que consiste «na introdução de um núcleo extraído de uma célula embrionária ou somática num ovócito precedentemente desnucleado, seguida da activação deste ovócito, que, consequentemente, deveria desenvolver-se como embrião» (nota 47). A clonagem é proposta com dois fins fundamentais: reprodutivo, isto é, para obter o nascimento de uma criança clonada, e terapêutico ou de investigação. A clonagem é «intrinsecamente ilícita, enquanto, ao levar ao extremo a negatividade ética das técnicas de fecundação artificial, pretende dar origem a um novo ser humano sem relação com o acto de recíproca doação entre dois cônjuges e, mais radicalmente, sem nenhuma ligação com a sexualidade. Tal circunstância dá lugar a abusos e a manipulações gravemente lesivas da dignidade humana» (n. 28). O uso terapêutico das células estaminais «As células estaminais são células indiferenciadas, que possuem duas características fundamentais: a) a capacidade prolongada de se multiplicar sem se diferenciar; b) a capacidade de dar origem a células progenitoras de trânsito, das quais descendem células altamente diferenciadas, por exemplo, nervosas, musculares e hemáticas. Desde que se verificou experimentalmente que as células estaminais, se transplantadas num tecido danificado, tendem a favorecer a repopulação de células e a regeneração desse tecido, abrem-se novas perspectivas para a medicina regeneradora, que têm suscitado grande interesse entre os investigadores do mundo inteiro» (n. 31). Para a avaliação ética, há que considerar sobretudo os métodos utilizados na recolha das células estaminais. «Consideram-se lícitas as metodologias que não danificam gravemente o sujeito, de que se extraem as células estaminais. Tal condição verifica-se, geralmente, no caso de extracção: a) dos tecidos de um organismo adulto; b) do sangue do cordão umbilical, no momento do parto; c) dos tecidos de fetos mortos de morte natural» (n. 32). «A utilização de células estaminais embrionárias ou células diferenciadas delas derivadas, eventualmente fornecidas por outros investigadores com a supressão de embriões, ou que se encontram no comércio, levantam sérios problemas do ponto de vista da cooperação com o mal e do escândalo» (n. 32). No entanto, saliente-se que numerosos estudos tendem a atribuir às células estaminais adultas resultados mais positivos em relação às células estaminais embrionárias. O uso de “material biológico” humano de origem ilícita Quanto ao emprego por parte dos investigadores de “material biológico” de origem ilícita, que foi produzido fora do seu centro de investigação ou que se encontra no comércio, vale sempre «a exigência moral de que não tenha havido nenhuma cumplicidade com o aborto voluntário e que seja evitado o perigo de escândalo. A tal propósito, não basta o critério da independência formulado por algumas comissões éticas, ou seja, afirmar que seria eticamente lícita a utilização de “material biológico” de proveniência ilícita, sempre que exista uma clara separação entre os que produzem, congelam e fazem morrer os embriões e os que investigam a evolução da experimentação científica». Portanto, «o dever de recusar o referido “material biológico” – mesmo na ausência de uma certa relação próxima dos investigadores com as acções dos técnicos da procriação artificial ou com a dos que praticaram o aborto, e na ausência de um prévio acordo com os centros de procriação artificial – resulta do dever de, no exercício da própria actividade de investigação, se distanciar de um quadro legislativo gravemente injusto e de afirmar com clareza o valor da vida humana. Por isso, o critério da independência acima referido é necessário, mas pode ser eticamente insuficiente» (n. 35). «Naturalmente, dentro deste quadro geral, existem responsabilidades diferenciadas, e razões graves poderiam ser moralmente proporcionadas para justificar a utilização do referido “material biológico”. Assim, por exemplo, o perigo para a saúde das crianças pode autorizar os pais a utilizar uma vacina, em cuja preparação foram usadas linhas celulares de origem ilícita, permanecendo firme o dever da parte de todos de manifestar o próprio desacordo em matéria e pedir que os sistemas sanitários disponibilizem outros tipos de vacina. Por outro lado, tenha-se presente que, nas empresas que utilizam linhas celulares de origem ilícita, não é a mesma a responsabilidade dos que decidem a orientação da produção e a dos que não têm nenhum poder de decisão» (n. 35). Com Sala de Imprensa da Santa Sé


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