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Ministério de Pedro é um Ministério de Comunhão

D. José Policarpo
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Homilia do Cardeal-Patriarca na Celebração de Acção de Graças pela eleição de e Bento XVI

1. A Igreja de Lisboa reúne-se hoje, dia em que Sua Santidade Bento XVI visibiliza a sua qualidade de Bispo de Roma, na solene celebração em São João de Latrão, a Catedral de Roma, para agradecer a Deus o Papa que nos enviou, em manifestação de profunda e sincera comunhão eclesial. Nós acreditamos que Deus o escolheu, através da acção humana da Igreja, que o elegeu, no cumprimento das normas canónicas em vigor. Sempre assim foi, a partir de Jesus Cristo, encarnação do próprio Filho de Deus: “Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça”, disse Jesus aos Seus Apóstolos. Também aqui, na escolha e envio do Sucessor de Pedro, se exprime o dinamismo sacramental da Igreja. Quando celebra a Eucaristia e administra os outros sacramentos, quando anuncia a Palavra e organiza a caridade, suscitando a comunhão, a Igreja age sempre como sacramento: faz o que humanamente deve fazer, o melhor de que é capaz, acreditando que através da sua acção humana, Deus age, realizando a obra de salvação. Esta nossa celebração tem o significado particular de um início de missão, no exercício do Ministério Petrino, mas exprime a comunhão permanente da Igreja particular com o Sucessor do Apóstolo São Pedro, que afirmamos sempre que celebramos a Eucaristia. Recordo uma parte da oração eucarística: “Por este sacrifício de reconciliação, dai, Senhor, a salvação e a paz ao mundo inteiro; confirmai a Vossa Igreja, na fé e na caridade, ao longo da sua peregrinação na terra, com o vosso servo, o Papa, com o nosso Bispo e todos os Bispos”. Nesta oração estão afirmadas as principais coordenadas do ministério do Papa e da missão da Igreja: promover a universalidade do projecto divino de salvação, ajudando cada Igreja particular a não se fechar sobre si mesma; confirmar toda a Igreja na confissão da mesma fé e na mesma exigência da caridade. No texto da Carta de Paulo aos Efésios, que acabámos de escutar, é já bem clara essa amplitude do ministério apostólico: “aperfeiçoamento dos cristãos em ordem ao trabalho do ministério e à edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado de homem perfeito, á medida de Cristo na Sua plenitude”. Deste projecto universal de salvação, caminhada no tempo em ordem à edificação da Igreja como Corpo de Cristo, na unidade da fé e da caridade, a Eucaristia é sempre a expressão principal, porque enquanto acção de Jesus Cristo, ela exprime já essa plenitude definitiva, ao mesmo tempo que é força transformadora para a Igreja peregrina, ainda a caminho dessa perfeição desejada. E é por isso que só tem sentido que cada Igreja particular, porção de toda a Igreja peregrina, celebre a Eucaristia em comunhão de fé e de caridade com o Papa, Sucessor de Pedro, pois é missão específica do seu ministério promover e construir essa comunhão universal, na fé e na caridade. Sem esquecer a realidade humana da pessoa que exerce este ministério, é este e não aquela que inspira e fundamenta a atitude da Igreja, sempre, mas sobretudo quando celebra a Eucaristia. Procurar a comunhão, sem condicionamentos, nem limites, é exigência da nossa fé e do mistério da Igreja a que pertencemos. 2. Escolhemos para esta nossa celebração de acção de graças o dia em que o novo Papa toma posse da sua Catedral como Bispo de Roma, a Basílica de São João de Latrão. E também este facto nos ajudará a aprofundar a nossa comunhão com o Santo Padre. O Papa é, antes de mais, o Bispo de Roma. Roma sempre foi considerada a primeira das Igrejas, porque assente no ministério dos Apóstolos Pedro e Paulo. E esta primazia da Igreja de Roma sempre a tornou ponto de referência último e decisivo na unidade da verdade e da compreensão da caridade, e isto porque o seu Bispo era o Sucessor de Pedro, o Apóstolo a quem o Senhor confiou a missão e o poder de garantir a unidade e a harmonia da comunhão, no seio do colégio apostólico. Já Eusébio de Cesareia reconhece que em toda a parte, isto é, em todas as Igrejas, se dá uma importância especial à concórdia e união com aquele que ocupa a Cátedra de Pedro, em Roma, a quem sempre se pede a última palavra nas dificuldades e conflitos que vão surgindo. A nossa oração, expressão da nossa comunhão com o Bispo de Roma, é também oração pela Igreja de Roma, na variedade imensa das suas expressões, para que neste início do terceiro milénio ela seja a primeira entre as Igrejas, modelo inspirador de fé, de caridade, de ardor missionário. Seria muito doloroso para o Bispo de Roma, cujo ministério é um serviço de universalidade da fé e da caridade, na unidade de todas as Igrejas, sentir que a sua Igreja particular não é a expressão viva dessa vitalidade e dessa verdade que ele é chamado a imprimir no ritmo da Igreja Universal. O facto de o Papa ser o Bispo da Igreja de Roma, situa-o no seio do colégio dos seus irmãos Bispos, também eles sucessores dos Apóstolos, que presidem à fé e à caridade nas suas Igrejas particulares. A Igreja não é governada por Senhores e Chefes, mas guiada por pastores, sacramentos de Cristo Bom-Pastor, dispostos a dar a vida pelas suas ovelhas. E a comunhão e a unidade de um colégio de pastores tem uma natureza diferente de uma conciliação entre chefes. Eles estão unidos em Cristo Pastor, a Quem devem seguir e toda a coesão a construir só pode ser expressão desta identificação com o verdadeiro Pastor da Igreja: conduzi-la por onde Cristo a conduz, ensiná-la como Cristo a ensina, amá-la como Cristo a ama. A Pedro pediu o Senhor que confirmasse os seus irmãos. É isso que cada um de nós espera do Sucessor de Pedro: que nos mantenha unidos e determinados no seguimento de Cristo Bom Pastor, que nos possa ajudar nas nossas dificuldades, que compreenda com discernimento os caminhos específicos das nossas Igrejas, que nos corrija quando a unidade da fé e da caridade o exigirem, que seja nosso irmão, na construção daquela comunhão, na caridade, que há-de inspirar a unidade de toda a Igreja. É por isso que aceitamos com alegria a sua suprema autoridade, porque ela é a manifestação suprema da disponibilidade para o serviço. Que ele nos ensine, com o seu testemunho, a sermos servos da Igreja de que somos pastores, porque ele é o “servo dos servos de Deus”. Esta comunhão do colégio dos pastores, sucessores dos Apóstolos, de que o Sucessor de Pedro é sempre a cabeça e o princípio dinâmico da unidade, deve gerar a Igreja comunhão. Se há algo que cada Bispo deseja e pede é que a Igreja de que é Pastor o acompanhe nesta comunhão com o Papa, que o mesmo é dizer, com a verdade fundadora da Igreja. Se o Bispo não for fiel a essa comunhão, a sua Igreja será cismática. Mas é muito doloroso para um Bispo em comunhão, com toda a exigência pascal que esta palavra sugere, sentir que na sua Igreja há sintomas de cisma, porque de fragilidade na comunhão. A nossa oração de hoje é também pela Igreja de Lisboa, para que ela seja toda e cada vez mais, uma Igreja em comunhão, por mais exigente que isso seja. Essa é uma atitude eclesial que nos tornaria dignos e capazes de anunciar Jesus Cristo, sempre e de modo especial, na próxima Missão na Cidade. A Igreja encontra no mistério da comunhão a autenticidade para a missão. Sé Patriarcal, 7 de Maio de 2005 † JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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