Análises do Instituto de Apoio à Criança sobre a situação em Portugal
A problemática das Crianças Desaparecidas, em Portugal, tem sido alvo de um trabalho específico por parte do Instituto de Apoio á Criança. Ao ser convidado para ingressar na Federação Europeia para as Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente lançada em Bruxelas em 2001, sob os auspícios dos então Comissários António Vitorino e Nicole Fontaine, o IAC encetou uma série de esforços que se concretizaram na assinatura do protocolo com o Ministério de Administração Interna em 2004, na criação de uma linha gratuita, LINHA 1410, que conta com o apoio da Portugal Telecom, e na organização e publicação de um directório nacional de todas as organizações não governamentais que trabalham no apoio social, psicológico e/ou jurídico a estas crianças e suas famílias.
Face a quatro anos de trabalho concreto no terreno, ressalta como indispensável o afinar agulhas e definir os conceitos associados ao fenómeno do Desaparecimento de Crianças.
Utilizados para facilitar a comparação dos dados quantitativos e qualitativos, fornecidos por cada um dos peritos aca-démicos participantes no estudo sobre Directório Europeu das Organizações Não Governamentais a trabalhar na área das Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente (ver www.Childoscope.net), estas definições são baseadas nas Decisões do Conselho Europeu de 19 de Julho de 2002 (combate ao tráfico de seres humanos) e de 29 de Julho de 2003 (combate à exploração sexual de crianças e da pornografia infantil), bem como no Relatório do Alto Comissariado para os Refugiados das Nações Unidas e reúnem consenso entre profissionais, especialistas e forças policiais.
Ao comungar da mesma linguagem, esbatem-se diferenças, afinam-se estratégias e aumenta-se a eficácia da intervenção que se pretende, acima de tudo, pluridisciplinar.
Assim, são cinco os conceitos associados a esta problemática, a saber:
1. Fuga (nacional/internacional), que diz respeito a todos os menores que voluntariamente fogem de casa ou da instituição em que residem;
2. Rapto efectuado por terceiros (nacional/internacional), que engloba todos os raptos de menores efectuados por outros que não os pais ou os representantes legais da criança;
3. Rapto Parental (nacional/internacional), que caracteriza o acto de uma criança ser levada ou mantida num local/país diferente do da sua residência habitual por um ou ambos os progenitores ou detentores da sua guarda, contra a vontade do outro progenitor ou detentor da guarda da criança;
4. Perdidos e/ou feridos ou outro tipo de desaparecimento, que abarca os casos de desaparecimento de menores sem razão aparente, por exemplo por estarem perdidos (na praia, no campo, numa actividade ao ar livre,...), ou feridos e não poderem ser encontrados de imediato;
5. Crianças migrantes não acompanhadas, que cobre o desaparecimento de crianças migrantes, nacionais dum país em que não há livre movimento de pessoas, com menos de 18 anos, que foram separadas dos progenitores e que não estão sob o cuidado de um adulto legalmente responsável para o fazer.
Quando em Setembro de 2001, o Conselho de Ministros da Justiça e Assuntos Internos da União Europeia adoptou a resolução relativa à contribuição da sociedade civil para a procura das crianças desaparecidas e exploradas sexualmente (ver Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 09/10/2001/C 283), realçou também a necessidade de cooperação entre as organizações da Sociedade Civil e as Forças Policiais, na prevenção e combate destes fenómenos.
Contudo, ao iniciarmo-nos por entre estes caminhos, na estruturação e operacionalização de uma resposta coordenada e em parceria com tais entidades, deparamo-nos com alguns entraves, sendo que o maior dos quais se prende com as questões legais.
Assim, e tal como exposto no Directório Nacional, publicado em Maio 2004 pelo IAC, pelo representante das entidades policiais, Dr Carlos Farinha, da Policia Judiciária, as situações de desaparecimento de menores chegam ao Sistema Central de Informação Criminal a partir da recepção por qualquer órgão das Forças de Segurança Pública (PSP/GNR) da denúncia de desaparecimento e da subsequente transmissão dessa informação à Policia Judiciária (entidade competente na investigação criminal e no tratamento de toda a informação criminal).
A resposta policial é posteriormente dada em função do crime que se julgue subjacente ao desaparecimento, por exemplo, rapto, sequestro; sublinhe-se que o crime subjacente a um desaparecimento de menores integra a competência reservada da PJ, pelo que é desta a competência exclusiva da investigação.
Os casos de crianças desaparecidas vão a julgamento nos Tribunais Criminais, e a investigação é conduzida pelo Ministério Publico.
Só os casos de natureza criminosa relativos a crianças desaparecidas são tratados pelo Departamento de Investigação e Acção Penal, estrutura que depende da Procuradoria Geral.
Os casos de rapto civil (âmbito in-trafamiliar) vão para outro departamento.
Os casos de criminalidade organizada (gangs, redes) que se revelem de organização criminosa são investigados pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que depende da Direcção Geral do Combate ao Banditismo.
Se nos centramos então nas definições apresentadas, encontramos a primeira dificuldade na situação de Fuga. Na realidade, segundo a Profª Doutora Maria João Antunes, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, este conceito não existe na Lei Penal Portuguesa, pelo que tal situação não ditará a intervenção da PJ (pelos motivos já expostos). Apenas na Lei Tutelar Educativa (Lei 166/99 de 14 de Setembro) encontraremos tal menção, referindo-se aos menores que não retornam ao Centro Educativo onde foram institucionalizados, depois de ter tido a permissão de sair (artº 155).
Também o Rapto parental coloca, segundo a mesma professora de Direito Penal, grandes dificuldades em termos operacionais de intervenção policial pois no nosso Código Penal não existe tipificação específica. Existe sim o Crime de Subtracção de Menor (artº 249) quando “o progenitor que subtraia menor de 18 anos de idade, que determine menor de 18 anos a fugir usando violência ou ameaça com mal importante ou que se recuse a entregar menor de 18 anos à pessoa que sobre ele exerça poder paternal ou tutela ou a quem ele esteja legitimamente confiado”, mesmo que o menor esteja de acordo com o progenitor.
Este mesmo crime salvaguarda assim o rapto efectuado por terceiros considerado dentro e fora de fronteiras. Contudo, ainda a este propósito, o artº 60º do mesmo código, define o crime de Rapto, mas este pressupõe que o “agente agressor use violência, ameaça ou astúcia com uma intenção específica”, por exemplo “com intenção de cometer crime contra liberdade e autodeterminação sexual das vítimas”, como recorda a Profª. Doutora Maria João Antunes no referido Directório Nacional.
Quanto à situação das Crianças perdidas e/ou feridas ou outro tipo de desaparecimento e às Crianças migrantes não acompanhadas não existe, na legislação portuguesa, qualquer referência a este tipo de fenómeno. Assim, no primeiro caso, as ocorrências e consequentes diligências são tomadas pelas Forças de Segurança e, no segundo, pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras.
Mas há ainda uma outra questão a referir.
A ausência de tipificação legislativa de determinadas situações tem também um reflexo na recolha de informação rigorosa sobre esta problemática em particular. Em consequência, não existe uma recolha estruturada dos dados da frequência destas situações no nosso país pois, de certa forma, não falamos todos a mesma linguagem.
Estamos em crer que este é um dos primeiros caminhos a desbravar nesta caminhada que o IAC se propõe realizar na continuação da implementação da Directiva Europeia sobre a Contribuição da Sociedade civil no combate ao fenó-meno das Crianças Desaparecidas e Exploradas Sexualmente, iniciada com a organização do Directório.
Pretende ainda o IAC sensibilizar todos os intervenientes para a eficácia da intervenção pluridisciplinar articulada, promover a utilização de uma linguagem comum que permita a recolha estruturada destes dados pelas entidades competentes, de forma a obter um perspectiva realista destas situações e alertar a sociedade civil para a importância do seu olhar atento e da sua disponibilidade para combater este fenómeno, bem como recordar as famílias da importância de dar conta do regresso da Criança Desaparecida às entidades, para que não inflame as cifras negras desta problemática.
Não podemos deixar de referir os dados que desde 25 de Maio de 2004, data da abertura oficial da Linha 1410, nos chegaram, quer através da linha telefónica, quer através do email soscrian-ca@net.sapo.pt e apartado 1582, 1056-001 Lisboa.
Assim, foram 31 os casos de crianças desaparecidas apresentados. Nestas incluem-se as 7 constantes no site da Policia Judiciária.
Apresentam-se ainda as idades, o sexo das crianças envolvidas e o distrito onde se deram as situações. Infelizmente, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades competentes para a investigação, 23 crianças permanecem em paradeiro desconhecido.
Alexandra Simões
Psicóloga Clínica do Serviço SOS Criança