«Cultura de austeridade» veio para ficar?
As análises socioeconómicas mais recentes confirmam que a crise financeira dos últimos anos fez com que os portugueses desenvolvessem uma relação mais contida e realista com os mercados e privilegiassem hábitos de vida mais sustentáveis, mas será que essa mudança veio para ficar?
Um estudo datado de outubro de 2012, realizado pelo Consumer Inteligence Lab (Grupo C) e enviado à Agência ECCLESIA, destaca que os consumidores “começam a assumir a nova realidade da crise como algo permanente”, que “influencia todas as decisões quotidianas e determina um conjunto de mudanças de estilo de vida”.
O organismo especializado na investigação das últimas tendências de mercado e comportamentos de consumo, criado há três anos com o apoio de Augusto Mateus, antigo ministro da Economia, Industria, Comércio e Turismo, diz que está “a ganhar tração uma certa cultura de austeridade”.
Algo que se manifesta na “hiperssensibilidade ao preço, na valorização do aforro (segurança), na rejeição de compromissos de mais largo prazo, sejam eles compras a crédito ou cláusulas de fidelização, na reutilização e na reciclagem” de produtos, entre outros fenómenos identificados.
“Pela primeira vez desde que estuda o frugalismo”, o Grupo C reconhece aquele comportamento como uma “tendência de facto” presente em Portugal.
Num inquérito inserido no referido estudo, realizado a 612 pessoas residentes na Grande Lisboa e no Grande Porto, mulheres e homens com idade igual ou superior a 18 anos, 45 por cento dos inquiridos mostraram-se totalmente identificados com uma vivência “menos consumista”.
“Uma franja significativa da população começa a estar efetivamente atenta ao desperdício, em conseguir que as coisas que tem durem mais e recetiva a mecanismos de troca fora do retalho tradicional, como seja o mercado em segunda mão ou a pequena economia de subsistência caseira”, sustentam os analistas de mercado.
Em conversa mantida com diversos consumidores, os investigadores verificaram ainda muitas “referências espontâneas” a um “novo modo de estar na vida”, onde predominam as “hortas urbanas e as bicicletas substituem carros e transportes públicos”, tudo em nome da redução de gastos financeiros.
As pessoas procuram cada vez mais alternativas económicas de compra de produtos e o seu pensamento financeiro já não está apenas focado no presente mas no futuro.
Catarina, de 26 anos, “comprou os seus móveis em instituições de caridade”, considerando que gestos como “alugar, pedir emprestado, renovar ou reutilizar” fazem parte do “futuro” da sociedade. Já Cláudia, de 32 anos, sublinha que a crise fez com que procurasse mais alternativas para “aumentar o dinheiro” e fazer “render o pé-de-meia”.
Um quadro que, segundo o Grupo C, está a ser acompanhado atentamente pelas empresas, através de campanhas que visam “massificar a compra e venda de objetos usados/antigos”, do “fornecimento de produtos mais pequenos e mais baratos”, de “facilitação das trocas em segunda mão”.
“Apesar de o futuro ser ainda muito difuso, prevalece uma relevante certeza: será muito diferente do passado recente que se viveu”, apontam os investigadores financeiros.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, o diretor executivo da “CAIS”, instituição particular de solidariedade social que apoia centenas de sem abrigo na busca de emprego e de casa, reconhece que a população portuguesa “está a ser obrigada a ter outro tipo de comportamento”, a nível financeiro e humano. No entanto, Henrique Pinto tem dúvidas de que essa mudança se mantenha “amanhã, com uma conjuntura diferente”, mais favorável.
“O que falta, e que não é de esperar do público adulto de hoje, é enraizar esta consciência, e isso aprende-se em casa e nas escolas”, aponta o docente universitário, que não vê “matérias criadas para preencher essa necessidade”.
Para o líder da CAIS, entidade sem fins lucrativos, apesar de existir “um discurso diário, mais aberto ou mais particular”, sobre a necessidade de rever a relação das pessoas com a economia, essa comunicação não está traduzida num “caminho obrigatório a fazer”.
Henrique Pinto dá o exemplo da discussão que está a decorrer à volta do Estado Social, quando o “imperativo” deveria ser “servir as pessoas”. O problema é que “a economia usa as pessoas para servirem o lucro e determinados propósitos ideológicos”, complementa.
Quanto à atuação das IPSS, o diretor geral da CAIS entende que a crise deve levar a uma reconfiguração de processos, sobretudo no que diz respeito a uma “gestão melhorada”. “As IPSS não podem continuar sempre de mãos estendidas na direção do Estado ou do público, sem fazerem nada para se tornarem mais autossustentáveis e independentes”, conclui.
JCP
Semana Social 2012