Dossier

Igreja de disseminados

Alfredo Teixeira
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ICNE

O fenómeno da urbanização contemporânea colocou os indivíduos no contexto de uma experiência de deslocação da existência. Cada um passou a viver como se habitasse espaços descontínuos e continuamente passasse de um para o outro. E se dizemos isto do espaço, podemos dizê-lo também do tempo, já que deixámos de viver num tempo social homogéneo, para passarmos a viver numa disparidade generalizada de ritmos. Neste contexto, o enraizamento da identidade pode passar mais pela implementação de grupos de eleição do que pelo regime de pertença a uma comunidade ou associação estáveis (mesmo se vivem a nostalgia desse estabilidade). Esta situação implica pois novos modos de pertença à colectividade, mesmo que essa colectividade seja uma Igreja. Nos diversos itinerários de identificação cristã encontramos hoje muitos cristãos para quem o centro polarizador da sua sociabilidade crente não passa pela dupla centralidade: “Domingo (tempo) – Paróquia (espaço). Quando lemos os dados sociográficos actuais, depressa percebemos que a figura da observância regular deixou de ser um padrão de referência para se estudar a religiosidade contemporânea (marcada por fenómenos amplamente documentados pelos trabalhos sobre a religião dos Europeus: a mobilidade das pertenças, a fluidez das crenças, a desterritorialização das comunidades, a desregulação dos processos de transmissão, a individualização das formas de identificação religiosa, etc.). As investigações no domínio biográfico têm mostrado que os indivíduos, face ao desmoronamento das antigas coesões, desenvolveram dinamismos de revalorização da “qualidade de vidaâ€, sinal de uma nova arte de viver que ritma a comunicação e as formas de afirmação individual. Fazendo a experiência da mudança acelerada, muitos são os que fazem da incerteza e do efémero um valor interiorizado, tornando-se especialistas práticos do provisório. Essa prevalência do “provisório†afecta a identidade das assembleias dominicais. Na metrópole contemporânea, a reunião eucarística dominical tende a tornar-se uma comunidade de “disseminadosâ€, concretização de uma diáspora eclesial, onde as práticas de acolhimento têm de contar com um duplo desafio: a articulação da grande narrativa eclesial com as pequenas narrativas individuais e grupais que aí querem encontrar um lugar de acolhimento; a resposta diferenciada a modos de identificação religiosa muito diversificados que permita a cada um dos crentes saber em que lugar se encontra no caminho de conversão que lhe é proposto pelo anúncio eclesial. Alfredo Teixeira - Centro de Estudos de Religiões e Culturas/UCP


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