Tentando dizê-lo sinteticamente, o Sameiro pode encarar-se em três perspectivas. Em primeiro lugar, como Laus-perene Mariano, ou romaria contínua e orante de pessoas, grupos, associações, movimentos de apostolado, instituições… Em segundo lugar, como Salão Nobre, ou espaço celebrativo dos acontecimentos mais marcantes, quer em termos de Igreja bracarense, quer mesmo em termos de Igreja nacional e universal. Por fim, como Púlpito, a doutrina jorrando pelas palavras, pelos testemunhos, pela escrita, pela arte…
Lausperene Mariano
Foquemo-lo, primeiro, como Laus-perene Mariano. Em 1861, o P. Martinho da Silva pensa erigir um monumento cele-brativo da definição do dogma da Imaculada Conceição. Dois anos volvidos, os romeiros são já muitos - procede-se à bênção da primeira pedra (a 14 de Junho de 1863). A escultura da Imaculada, arrancada a um bloco de mármore pelo escultor Emídio Carlos Amatucci, seria benzida no dia 29 de Agosto de 1869, festa do Imaculado Coração de Maria, na presença de significativa multidão...
E os caminhos para o Sameiro não mais se fechariam. Nem os reveses (como a destruição do monumento na noite de 9 de Janeiro de 1883) provocaram esmorecimento nos devotos. Três anos e meio após o derrube, um novo monumento lá aparecia, com a estátua da Imaculada que ainda hoje contemplamos.
Mas já antes da inauguração deste último monumento os devotos tinham escalado a montanha, no dia 29 de Agosto de 1880. Nesse dia, uma belíssima escultura da Virgem Imaculada, benzida pelo Papa Pio IX e trabalhada em Roma por Eugénio Maocegnali, fora trasladada da Igreja do Pópulo, onde permanecera dois anos, para a nova Capela recém-construí-da no Sameiro, perpetuadora da memória do Concílio Vaticano I. Os cronistas não se poupam ao descreverem o evento: falam de emoção à saída da cidade, de brilho, de entusiasmo, de uma procissão imponente repleta de figurados, de aluviões de fiéis, de foguetes e muita música.
Tornando-se pequena a capela a que aludimos, tantos os peregrinos que à Virgem do Sameiro acorriam, em breve se colocará a pedra do templo que chegou até nós (31 de Agosto de 1890).
Anos mais tarde, em 1904 – estamos em pleno centenário – Nossa Senhora receberia da generosidade das mulheres de Portugal, com destaque para a Rainha D. Amélia, a coroa que ainda hoje ostenta. O povo, mais uma vez, acorre (fala-se em 300.000 devotos).
As datas, as comemorações vão abrindo sulcos, vão criando rotinas devocionais. Por ano, os fiéis habituar-se-ão a três peregrinações, fixas no mês, variáveis no dia: em Junho, em Agosto, em Dezembro.
Mas os devotos não escalam o Samei-ro apenas quando a pedra ou a arte se agigantam, ou nas romarias calendari-zadas. Também o sobem para transportarem à Mãe as suas colectividades, instituições, associações, movimentos de apostolado, paróquias, arciprestados…
E o contingente maior da peregrinação até é constituído por aqueles que num qualquer dia da semana, ou num tranquilo domingo de passeata, procuram o ar puro, um pouco de paz e uma conversa tranquila e meiga com a Mãe. Porque há sempre qualquer coisa para lhe lembrar, qualquer dor a dividir, qualquer assunto ou pessoa a confiar, qualquer bênção ou protecção a pedir. E é nesse mármore da fé, nesse ouro do afecto, nessa cúmplice intimidade do amor filial, nessa tertúlia humilde e confiante, que o Sameiro se vai consolidando como jardim espiritual, como consolo dos crentes, como… “Lausperene mariano”.
Salão Nobre
Anunciamos a abordagem do Sameiro numa segunda perspectiva, a saber, como “Salão Nobre”, palco dos mais marcantes acontecimentos eclesiásticos, quer de cunho arquidiocesano, quer ao nível da Igreja portuguesa e até universal.
A memória leva-nos de imediato ao ano de 1894, altura em que se celebra o cinquentenário do Apostolado da Oração. Inserida nessas comemorações, a peregrinação ao Sameiro acontece no dia 20 de Maio.
O primeiro Congresso Eucarístico Nacional ocorreria no ano de 1924. Não lhe poderia faltar, como corolário, a peregrinação ao Sameiro, calendarizada para o dia 6 de Julho, altura em que se benze também a primeira pedra do monumento ao Coração Eucarístico de Jesus.
Dois anos volvidos, as atenções centram-se de novo na Imaculada Conceição, desta feita celebrando-se o Primeiro Congresso Nacional Mariano.
O Apostolado da Oração volta ao Sameiro aquando do seu Primeiro Congresso Nacional. A peregrinação dá-se no dia 13 de Julho, decorria o ano 1930.
Os Congressos prosseguiriam. Também as peregrinações. Assim sucedeu em 1932, no Primeiro Congresso Catequístico Nacional.
E em 1954, no Segundo Congresso Mariano Nacional, celebrando-se agora o centenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição – fala-se em 500 mil peregrinos.
Ao elenco dos Congressos (e peregrinações) teremos ainda que acrescentar o Terceiro Congresso Nacional do Apostolado da Oração, ocorrido em 1957; o Congresso Mariano comemorativo do centenário do Sameiro (no ano de 1964), saudado pelo Papa Paulo VI (que distinguirá o Santuário com o título de Basílica). O último dos Congressos, o Terceiro Eucarístico Nacional, ocorreu já nos nossos dias, entre 3 a 6 de Junho de 1999, o Papa João Paulo II a fazer-se representar pelo Cardeal Roger Etchegaray. E o Sameiro viveu, mais uma vez, momentos de glória.
Esta alusão ao Sameiro como “Salão Nobre” ou espaço celebrativo de acontecimentos marcantes, impõe-nos ainda a recordação da visita do Santo Padre João Paulo II, ocorrida no dia 15 de Maio de 1982. Um dia inesquecível. O próprio Papa a rezar no monte que a cidade de Braga consagrou à Virgem.
Púlpito
Resta-nos a abordagem do Sameiro na última das perspectivas enunciadas, ou seja, como púlpito, como anúncio, jorrando este pelas palavras e pela escrita, pelos testemunhos e pela arte.
Comecemos pela arte. Quem se abeira do santuário, depara-se com alguns monumentos alusivos a figuras ímpares da história da Igreja. E certamente não deixará de interrogar-se: de quem se trata? Por que razão está aqui? Na resposta, ficará o peregrino a conhecer S. Cirilo de Alexandria, Santo António de Lisboa, S. Bernardo de Claraval, S.to Afonso Maria de Ligório.
Quando entramos no Santuário, de novo percebemos que a arte fala, transmite, é, por si mesma, anúncio. Quem não se deslumbra com a beleza do sacrário todo em prata, centrando assim as atenções na presença real de Jesus na Eucaristia?! Quem não sente alívio e consolação, paz e ternura, confiança e serenidade contemplando a belíssima escultura da Senhora do Sameiro, a Virgem Imaculada?!
Como púlpito se pode considerar também a cripta, de construção ainda recente. O visitante entra aí em contacto com os principais episódios da vida de Jesus e de Maria, através dos dez painéis da autoria de Querubim Lapa, onde se visualizam os mistérios gozosos e gloriosos do Rosário. Mas também aí o visitante conhece o percurso do Evangelho em terras longínquas, relembrando os nomes das Dioceses e Prelazias que os portugueses criaram e até onde Portugal levou o nome de Maria; e o visitante ainda se galvaniza ao ler um extracto dos Lusíadas, do nosso poeta Camões: “…E também as memórias gloriosas daqueles reis que andaram dilatando a Fé e o Império […] cantando espalharei por toda a parte”. E ainda se deleita e reza com uma quadra do P. Joaquim Alves, que ressoa devoção por estas palavras:
“O Teu Filho deste ao mundo / Virgem fonte de luz
Mas depois foi Portugal / Que ao mundo deu Jesus”.
Não vem ao caso, dadas as limitações de espaço, rastrear o modo como o Sameiro, através da escrita, tem sido púlpito, anúncio, mensagem. Bastará pensar-se no que sobre ele se tem escrito e na publicação “Ecos do Sameiro”, pequeno jornal de elevada tiragem.
O Sameiro tem também sido púlpito para os Arcebispos de Braga e para os seus Bispos Coadjutores e Auxiliares, sobretudo aquando das peregrinações.
E até a Casa das Estampas, por testemunhos que se tornaram património móvel, não deixa de ser púlpito, não deixa de interpelar…
Restará o desejo de que o Sameiro se mantenha fiel ao que tem sido: beleza e paz, jardim mariano, espaço nobre, anúncio!
Paulo Abreu
Reitor Seminário Maior de Braga