Dossier

Semana EMRC: formação integral

António Estanqueiro
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Disciplina pode cumprir um papel decisivo, mas o seu futuro, na escola pública, parece incerto

Um dos objectivos essenciais da escola é promover a formação integral dos alunos. Para esta formação, a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) pode oferecer um contributo decisivo, dando atenção aos valores morais e religiosos. O Homem define-se não só como animal racional, mas também como animal religioso. A dimensão religiosa é uma constante do ser humano, em todas as épocas e em todas as culturas. A escola não pode subestimar esta dimensão. Ao longo da história, têm surgido muitos ataques à religião. Nos séculos XIX e XX, diversos filósofos anunciaram a “morte de Deus” e o fim da religião. Para Comte, a religião representa um estádio primitivo da consciência dos homens. Marx ataca a religião como “ópio do povo”. Nietzsche considera a religião uma perversão dos valores. Para Freud, a religião não passa de uma ilusão. Na perspectiva de Sartre, a negação de Deus é condição necessária da liberdade. Apesar destas críticas, a filosofia e a ciência não conseguiram substituir a necessidade de Deus para compreender o mundo e a vida. As pessoas continuam angustiadas, mesmo quando possuem em abundância bens materiais, prazer, poder ou saber. Sente-se, à nossa volta, uma frustração existencial, que não se resolve nas clínicas de saúde. Um sentido para a vida Nesta “era do vazio”, como lhe chama Gilles Lipovetsky, o ensino religioso escolar propõe um horizonte de sentido para a vida, não deixando o aluno fechado nos seus problemas, sem qualquer resposta para as grandes interrogações da existência humana. Embora não resolva todas as dúvidas existenciais, a religião ilumina a realidade da vida e abre caminho à esperança. Claro que é possível encontrar um sentido para a existência, sem a bússola da religião. Há pessoas que não são crentes e encontram um horizonte de sentido na defesa dos direitos humanos. A abertura aos outros é indispensável para encontrar a felicidade. Mas o Homem precisa de abrir-se também à transcendência. Nenhum amor humano satisfaz a nossa sede de absoluto. Por isso, as diversas expressões do religioso, mais ou menos esclarecidas, continuam a propor Deus como último horizonte de sentido para a existência humana. Os valores da nossa cultura A disciplina de EMRC, para além de propor um sentido para a vida, pode despertar nos jovens o apreço pelos valores da nossa cultura. Não é possível compreender profundamente os valores de uma cultura sem referência às religiões que inspiraram esses valores, ao longo da história. Todas as culturas, mais ou menos secularizadas, têm raízes religiosas. Há uma relação íntima entre os hábitos culturais e as religiões. Muitas das melhores produções literárias e artísticas continuam a inspirar-se em motivos religiosos. Pertence à escola promover o conhecimento do cristianismo como fonte da nossa identidade cultural. É um erro ignorar as raízes cristãs da nossa cultura, em nome da pretensa neutralidade do sistema educativo. Há uma matriz cristã na cultura europeia e, particularmente, na cultura portuguesa. É inegável. Mas a escola não deve valorizar apenas o cristianismo. Outras grandes religiões (judaísmo, islamismo, hinduísmo, budismo...) influenciaram decisivamente o mosaico de culturas e valores do mundo actual. A diversidade cultural e o pluralismo de valores exigem diálogo e tolerância. Cada pessoa deve ser capaz de defender, com firmeza e convicção, os valores da sua cultura, mas tem de aprender a respeitar os valores das outras culturas. Isso implica o conhecimento das diferentes religiões. Um diálogo aberto e construtivo entre as religiões será fonte de paz e solidariedade entre as nações. O futuro das aulas de EMRC A disciplina de EMRC, se não se confundir com a catequese, pode cumprir um papel decisivo na formação integral dos alunos. Mesmo assim, o seu futuro, na escola pública, parece incerto. A Igreja Católica, apesar da sua perda de influência, tem o direito de exigir ao Governo um estatuto digno para a disciplina de EMRC, “disciplina de frequência facultativa”. Mas não basta fazer exigências ao Governo. A Igreja deve investir mais na formação científica e pedagógica dos professores e na actualização dos programas e materiais de apoio, para garantir a qualidade da sua presença. Só professores competentes e motivados poderão cativar os alunos para as aulas e conquistar melhor espaço nas nossas escolas. O futuro das aulas de EMRC, no ensino público, depende muito da acção da Igreja e dos professores. Como avisa a sabedoria popular, “Deus dá o pão, mas não amassa a farinha.” António Estanqueiro, Professor de Filosofia Dossier AE • Educação


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