Editorial

Os segredos da bola

António Rego
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Apesar de não ser um habitual assistente de futebol tanto em estádio como em sofá, reconheço que não posso dar-me ao luxo de ignorar o “desporto-reiâ€. Nem eu, nem nenhum cidadão, onde essa modalidade mobiliza tantas energias, raivas e paixões, consegue ignorar o quanto uma bola, estudada até ao miligrama, põe às voltas tão elevado número de cidadãos sábios e honestos. Possivelmente não haverá apenas um único elemento que determine tão complexa operação. Em jogo está dinheiro, clubismo, competição, a insustentável carga de símbolos, o bairrismo e, em grau quase mínimo, o desporto. Mas há, depois, uma infinidade de cruzamentos políticos, sociais, empresariais e uma interminável lista de tecidos em que, como indivíduos e seres sociáveis, quotidianamente nos enredamos. Dentro deste intrincado complexo há funções e desempenhos múltiplos, como que prolongamento do que eventualmente sucede nos estádios – reacções, as críticas, os endeusamentos, as febres, os relatos, as disputas de rádios e televisões que ao desporto entregam o melhor dos seus tempos, completamente esmagados pelos imperativos do seus, ouvintes ou espectadores. Face a algumas complicações, e não poucas, ultimamente surgidas no nosso país, de carácter político, económico, social, e outras, alguns analistas, com mais ou menos convicção ou ironia, têm retomado o velho mote de Portugal como o país de Fátima, do fado e do futebol. Não acho que ande por aí a descoberta da pólvora. Penso sim, que o futebol tem o fascínio duma espécie de absurdo onde os números são sempre surpreendentes - se o não fossem o totobola e congéneres nunca teriam existido. É nessa incógnita de desfecho – prognósticos só no fim – que está o seu grande, o seu maior fascínio. Táctica, estratégia, força, ataque, defesa, arte, ânimo – tudo isso. Mas mais que tudo a sedução do imprevisível. Um pouco como a própria vida. Só Deus sabe o futuro e muito raramente o revela. Magos, astrólogos, arúspices, bruxos, adivinhos e cartomantes, nada sabem desta ciência da bola. Algum se atreve a antecipar o resultado de um jogo ou de um campeonato de futebol? Esventrados todos os astros, os prognósticos certos... continuam sempre no fim. E o melhor mesmo é que os adivinhos nunca se atrevam a adivinhar. António Rego


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